1- Não é comum um praticante atingir um alto desempenho nas artes marciais,
ou em outros esportes de alto rendimento, e ao mesmo tempo uma bela carreira
acadêmica nos bancos das universidades como aluno e professor como o senhor tem feito. Portanto nos
conte um pouco sobre esta sua história.
Infelizmente esta
separação é o que acontece com a maioria. Ambos os estudos fortalecem o caráter
e educam o espírito e sempre os vi com o mesmo nível de importância e respeito
por isso a dedicação. Nasci em 1968 em Itaetê, na chapada diamantina, interior
da Bahia. A partir dos 10 anos de idade me interessei pela arte marcial chinesa
com a leitura dos livros e revistas que chegavam a minhas mãos. No início da
minha adolescência, nos anos 80, encontrei na cidade de Salvador meu primeiro
mestre chinês que estava ministrando palestras na cidade mas morava em São
Paulo. Treinei com Hu Shao Xiu por quase 20 anos onde estudei estilos
provenientes do Shaolin onde obtive toda minha base marcial inicialmente. Ao
mesmo tempo fui apresentado aos 15 anos às artes internas iniciando pelo Taiji
quan estilos Wu, Yang e Chen buscando mestres competentes e pesquisando as
artes internas. Conheci o mestre Zhang Xiu Lin na China nos anos 90 assim
aprendi e aprofundei as artes internas chinesas a partir de então, como o Bagua
zhang, Xingyi quan, Taiji quan e Dongbei quan sendo estudados conhecimentos das
linhagens de Sha Guozheng, Li Ziming, Chen Fake, Yang Chenfu e Sun Lutang.
Também nos anos 90 conheci o mestre Chen Xiaowang onde através de diversos
cursos e contatos estudei e aprofundei o estilo Chen de Taiji quan assim como
com outros mestres. Aprofundei-me no estudo do Qigong médico e marcial assim
como na Filosofia e Medicina Chinesa com estudos dentro e fora dos meios
acadêmicos universitários a partir dos 16 anos que busco aperfeiçoamento
constante em fontes no ocidente e na China. Sou professor membro filiado ao
centro de estudos de Qigong e Taiji quan de Shenzhen, Guangdong, China.
Mantenho meus estudos e pesquisas com mais de 30 anos de prática sempre
buscando conhecer e se possível treinar com os grandes mestres destas artes.
Aprendi desde cedo que se você quer ser bom acompanhe os melhores, pois a
mediocridade está cheia de companhias.
Faço parte da seleção brasileira desde os
anos 90 com cerca de 12 títulos brasileiros, títulos e medalhas em campeonatos
sul americanos, mundial e outros incluindo em eventos mundiais de campeonato e
festivais chineses. Tudo isto rendeu mais de 80 medalhas de ouro e outro tanto
somando prata e bronze. Sendo que no campeonato brasileiro de 2009 venci com 8
medalhas de ouro em um único evento. Agradeço profundamente a todos os meus
mestres e professores e principalmente a minha família. Treinei alunos de nossa
Escola em eventos nacionais e internacionais inclusive para a China, somados
todos eles ganharam mais de 100 medalhas nestes eventos. É importante ser
vitorioso e poder ensinar a outros como sê-lo. Fui presidente da federação de
Kungfu Wushu do estado da Bahia por mais de 10 anos. E sempre contribui com a
confederação treinando atletas, mesmo de outras escolas, auxiliando o
crescimento da seleção brasileira nos estilos tradicionais. Nos estudos
acadêmicos, além da Medicina Chinesa (estudado principalmente com professores
da Europa, Brasil e China), tenho Mestrado em Medicina e Saúde Humana (Escola Bahiana
de Medicina e Saúde Pública EBMSP), cursei Biologia (Universidade Federal da Bahia
UFBA), me tornei Engenheiro (Universidade Católica do Salvador UCSal) e
Fisioterapeuta (EBMSP) com Pós-graduação em Fisiologia (Universidade Gama Filho
UGF), Especialização em Fitoterapia (UFBA), Especialização em Acupuntura e
Eletroacupuntura, e Professor Universitário da graduação e mais tarde de pós-graduação
desde 2001. Escrevo artigos científicos e não científicos na busca de colaborar
com o entendimento e construção de novos paradigmas para a Medicina e a saúde
humana também construo parcerias entre Universidade que presto serviços e
Universidades chinesas.
Com a percepção que poucos se interessam
realmente em desenvolver as artes marciais com profundidade e o tempo
relativamente mais escasso tenho dedicado o tempo ao meu treino e estudo
desenvolvendo como ensino da arte somente o seu Qigong médico e pouquíssimos
alunos de internos.
2-O senhor possui uma genealogia
invejável e uma carreira brilhante dentro dos estilos internos chineses,
especialmente no Brasil. Como o senhor vê a difusão e o ensino destes estilos
em nosso país?
O
Kung fu sempre fascinou muita gente em todo o mundo. Os estilos internos são
uma paixão mais recente para muitos praticantes. Os estilos chamados de
externos como ,por exemplo, o Shaolin, Hungar, Choy li fut e Wing Chun se
tornaram famosos pelos filmes no cinema de Hong Kong que chegaram no ocidente
com astros como Bruce Lee e depois com Jet Li, Yuan Biao, Sammo Hung, Jackie
Chan, Donnie Yen, Michele Yeoh, Alexander Fu Sheng, dentre outros. Enquanto os
estilos internos chegaram no Brasil nos anos 1970 voltados totalmente para os
aspectos medicinais para o grande público com o Tai Ji Quan (Tai chi chuan) que
até hoje ostenta esta característica errônea de prática somente para saúde e
não uma arte marcial. O Taiji quan tem uma característica “San Xing” (3
estrelas); arte marcial, aspectos filosóficos e saúde. Os três aspectos juntos
representam a arte do Taiji quan, não separados. O treino de Qigong impregnado
no Taiji quan é que gera o aspecto medicinal, mas o Taiji quan é uma arte
marcial que bem praticada gera boa saúde. O Qigong tem aspectos medicinais
importantíssimos. Praticar Taiji quan como um Qigong não é um bom Qigong e, além
disto, é um Taiji quan ruim. Conceitos inadequados como este levaram a um
desenvolvimento equivocado no Brasil nas artes marciais internas, sendo o Taiji
quan o primeiro e para alguns o único interno até hoje. As entidades que
representam tais modalidades no Brasil, em outros países ocidentais não são
diferentes, ainda conhecem muito pouco sobre as práticas internas das artes
marciais chinesas. Temos alguns motivos para isso. Um deles é o fato de que os
grandes mestres tradicionais destas artes geralmente não estão filiados a
nenhuma destas entidades, na maioria das vezes por não acreditar no trabalho
político e educacional desempenhado pela maioria destas. Temos entidades
representativas no Brasil do “Kung fu” que se dedicam quase exclusivamente ao
chamado wushu olímpico ou moderno descaracterizando totalmente as artes
tradicionais em nosso país onde os grandes mestres dos estilos tradicionais
estão se afastando cada vez mais e hoje tais mestres praticamente mantêm
somente uma ligação política muito distante, mas sem nada influenciar o que
acontece nos bastidores destes eventos. Muitos representantes destas entidades
fazem um excelente trabalho em Wushu olímpico ou moderno mas, principalmente no
que tange aos estilos internos tradicionais, quase nada e alguns nada conhecem
ridicularizando estas artes quando tentam falar a respeito ou demonstrá-las sem
nenhuma maestria. Há raríssimas exceções. O Wushu moderno é uma arte acrobática
na maioria das vezes totalmente irreal para uma arte marcial. É bonito de ver
mas sem efetividade marcial e muito pouca preocupação com a tradição do Kungfu
Wushu tradicional e também muito lesivo para o corpo sendo que a maior parte
dos atletas estão lesionados aos 25 anos. O Taiji quan moderno o que mais vale
é sustentar a perna parada na altura da cabeça ou posições absurdas de
entrelace das pernas ou lesivas para as articulações do que o controle do Qi e
do movimento real preconizada pelos grandes mestres limitando esta arte aos
jovens atletas que geralmente nunca aprenderam taiji quan “de verdade”. É um
Ballet, bonito, mas vazio de essência para a maioria dos atletas. Há raríssimas
exceções. As outras entidades no Brasil que valorizam os estilos tradicionais
no Brasil contam ainda com pouco ou nenhum apoio político dentro dos governos,
como bolsa atleta e outros incentivos, contando com apoio de professores
brasileiros e mestres estrangeiros, principalmente chineses, para fortalecer
seus eventos. Na maioria das vezes têm muito mais filiados que as primeiras
sendo um dos motivos o estímulo para o tradicional e outro a facilidade de se
cadastrar sem a exigência extrema de se comprovar suas linhagens. Com isto também
há várias escolas com nível muito bom e outras sofríveis. Entidades que se
dedicam ao Wushu moderno têm força política nas estruturas do governo como
recebimento de bolsa atleta pelos atletas, ditas oficiais, não conhecem mais
com profundidade os estilos tradicionais por falta de mestres competentes a
frente dos trabalhos e as outras entidades, mesmo que com numerosos filiados e
alguns mestres competentes, em sua maioria são estrangeiros, não gozam dos
benefícios políticos do governo suficientes para dar a estas artes a projeção
adequada. Em suma, estamos em grande crise do desenvolvimento dos estilos
tradicionais chineses no Brasil. Aqueles que queiram praticar de forma profunda
devem encontrar associações com mestres de boa linhagem e conhecimentos para direcionar
seu caminho de desenvolvimento dentro de arte tão nobre. Poderá se aproximar
também de workshops promovidos pelos mestres de boa linhagem e tentar mostrar
grande interesse de ser aceito como aluno regular. Os mestres tradicionais
valorizam o empenho, o foco, a boa atitude, o respeito e dedicação para com sua
arte. A competência de um mestre não deve ser medida simplesmente pelo fato dele
ser chinês ou não ser como muitos ocidentais, equivocadamente, ainda fazem
sendo enganados por professores medíocres. É a mesma coisa de encontrar
brasileiros na China e achar que todos eles são mestres de capoeira e Jiu jitsu
brasileiro ou grandes jogadores de futebol. Encontrar um bom mestre é estar
atento as suas habilidades em demonstrar a eficácia de sua arte, boa capacidade
didática, outros conhecimentos afins de formação acadêmica geral, bom trabalho
para a divulgação de sua arte, domínio teórico e prático da arte, boa linhagem
de estudos e cultura geral.
3- O senhor foi discípulo do Mestre
Zhang Xiu Lin, que sucedeu ninguém menos do que Sha Guo Zheng, uma lenda das
artes marciais chinesas. Fale-nos sobre este grande Mestre.
O
mestre Zhang Xiulin, hoje com 86 anos, nasceu na China em 1927, filho do mestre
Zhang Shen Wen perito no estilo Tan Tui e outros de origem shaolin que o
ensinou desde a infância a partir de 1936. Além da brilhante carreira nas artes
marciais se tornou um brilhante engenheiro, hoje engenheiro sênior na cidade de
Jiu Jiang, além de profundo conhecedor da filosofia e história das artes
marciais chinesas. Amigo e irmão de treino do mestre Kang Gewu (também discípulo de Sha Guozheng e doutor em
História sendo vice-presidente da Associação de Ba Gua zhang de Beijing) onde
são representantes de uma classe de grandes intelectuais. Seu pai, Zhang Shen Wen, deixou seu amigo, o
mestre Sha Guo Zheng, como seu educador e mestre. Com Sha Guozheng, a partir de
1946, Zhang Xiulin iniciou seus estudos do Xing Yi quan, Ba Gua zhang, Qigong e
Dong bei quan. Em 1947 iniciou o estudo e prática dos estilos de Taiji quan,
Yang e Sun. Foi iniciado também na profunda teoria e filosofia que é pertinente
a tais conhecimentos. O mestre Sha Guozheng também era profundo conhecedor da
utilização de ervas chinesas e mobilizações terapêuticas no corpo que aprendera
com seus mestres, Jiang Rongqiao, Wang Che Cheng e outros, o que também passou
adiante para o mestre Zhang. Em 1950 Zhang Xiulin iniciou os estudos do estilo
Chen de Taiji quan com o mestre Chen Fa Ke e após sua morte em 1957 continuou
seus estudos de Chen Taiji com o mestre Hu Li Wu, que foi um famoso médico,
primo e discípulo de Chen Fa Ke. Em 1963 aprofundou-se no estilo Sun com a
mestra Sun Jian Yun, filha de Sun Lutang criador do estilo. Em 1973, em
Beijing, iniciou o estudo do Ba Gua Zhang da linhagem de Liang Zheng Pu
(discípulo direto de Dong Haichuan criador do Bagua zhang na segunda metade do
século XIX), com o mestre Li Zi Ming, discípulo do mestre Liang Zheng Pu e
amigo de Sha Guo Zheng. O mestre Sha Guozheng foi discípulo de Jian Rongqiao,
que foi discípulo de Zhang Zhaodong, perito em Xing Yi quan e Ba guazhang,
discípulo direto de Dong Haichuan. Com a linhagem do mestre Sun Luntang, que
foi discípulo de Cheng Tinghua que por sua vez foi discípulo direto de Dong
Haichuan, Zhang Xiulin estudou o estilo Cheng de Bagua zhang. Também o mestre
Zhang Xiulin estudou profundamente o
conhecimento do Tui Shou do Tai ji quan e outros conhecimentos com o famoso mestre
Wu Tu Nan. Hoje o mestre Zhang Xiulin é vice presidente do centro do método de
treinamento e pesquisa da arte de Sha Guozheng, sendo o presidente o mestre Sha
Junjie, perito nas artes internas e filho do mestre Sha. O mestre Sha Guozheng
(1904-1992) era profundo conhecedor da arte de cura aprendida de seus diversos
mestres. Curou muitas pessoas e nunca cobrou nada por isso. Em 1983 doou todas
as suas fórmulas medicinais para o governo para benefício de todos.
4- O que os seus Mestres consideram mais importante no aprendizado das
artes marciais chinesas?
Além
de encontrar um bom mestre e ser um bom discípulo deve encontrar uma arte que
seja compatível com suas necessidades ou afinidades com o potencial do seu
corpo/mente e capacidades para que não haja frustração demasiada no processo de
desenvolvimento da arte.
5- Existe certa polêmica sobre a
divisão do kung fu chinês em “estilos internos” e “estilos externos”, apesar
dessa separação didática ter sido criada por Mestres do gabarito de Sun Lutang.
Muitos praticantes consideram uma tolice essa divisão, pois para eles o Qi não
existe. O que o senhor diria a este respeito?
Mestres
como Sun Lutang, Sha Guozheng, Jiang Rongqiao dentre outros são grandes
estudiosos além de exímios praticantes. Normalmente a maioria dos mestres se
dedica muito a prática e pouco aos estudos ou vice-versa. Estes não. Alguém
precisa estudar pesquisar, comparar, intuir, pensar e classificar especialmente
aqueles que têm grande bagagem e perícia para unir o estudo e a prática
profundamente. É o caso destes grandes mestres. Desde livros conjecturados há
4000 A.C. que o conceito do Qi aparece na cultura chinesa e impregna os
conceitos religiosos, do pensamento, da medicina e por último nos últimos 1500
anos, a partir de Da Mo, às artes marciais. O mero treinamento de ossos,
músculos com aumento da resistência física foi acrescido de conceitos
importantes de eficácia física e mental com a prática do domínio do Qi nas
artes marciais. Então o Qi não é somente um conceito ligado à arte marcial mas
sim a muitos aspectos da cultura chinesa, por isso aqueles que ignoram este
conceito apresentam artes mais grosseiras onde se experimenta o trabalho bruto
do desenvolvimento de músculos, ossos e tendões e pouco entende sobre a
utilização e percepção desta arte. Os estilos chamados de externos (Wai Jia)
são assim chamados pelas suas características de nutrir o interior a partir da
força e dinâmica exterior. A origem da força está fora mesmo que trabalhem a
intenção e vontade interna. Enquanto que os estilos internos (Nei Jia) nutrem o
exterior a partir de forças desenvolvidas no interior. A origem da força é
interna e o Qi é o principal fenômeno envolvido neste processo. Isto não quer
dizer que nos estilos externos não haja Qi mas este é considerado como dinâmica
de músculos, tendões com contração durante grande parte do tempo.
Os
estilos internos têm sua grande fonte nutridora nos conhecimentos originados no
templo de Wudang, próximo a cidade de Shiyan, e os estilos externos têm sua
referência maior o templo de Shaolin, próximo a Dengfen nas montanhas Centrais
da China (Zhong Shan). A China promoveu em 2004 e 2006 campeonatos mundiais de
estilos tradicionais (internos e externos) em Dengfen com visita ao templo de
shaolin e em 2008 e 2010 em Shiyan também com visita de aprofundamento do
conhecimento ao templo de Wudang. Participei dos eventos trazendo medalhas para
o Brasil e honrando meus mestres nos estilos tradicionais internos.
6- Dentro das artes marciais
chinesas, que estilos podem ser considerados “internos”?
Taiji
quan, Xingyi quan, Bagua zhang, Dongbei quan, Pi kua quan, Yi quan, Liu he ba
fa.
7- Qual a ligação entre artes
marciais chinesas e o qigong?
Há
04 grandes escolas de Qigong de onde se originou todo o conhecimento atual.
Apesar de o Qigong ter bases estruturais de cerca de 3.500 anos, somente foi
estruturado as duas primeiras escolas, a
escola dos Religiosos e a dos Eruditos. A primeira, usada pelos budistas e
taoístas, baseada na proposta de elevar a energia espiritual para níveis de
evolução, a segunda, dos Eruditos, prestava-se à meditação para o
desenvolvimento das capacidades intelectuais do pensamento e da virtude moral.
Seguiu a escola dos Médicos, quando foram implementados exercícios físicos além
da meditação para fortalecer os mecanismos de defesa orgânica restabelecendo
e/ou mantendo a homeostase, Tu Gu Na Xin (Expelir o velho e assimilar o novo).
O Qigong marcial nasce a partir da junção de vários argumentos das outras
escolas, mas com o foco principal em fortalecer ossos, tendões e músculos. Teve
grande influência dos exercícios de Bodhidharma (Da mo) no templo de Shaolin
(530 D.C) chamados de Yi Jin Jing (Fortalecimento de músculos e tendões) e Si
Sui Jing (Lavagem das medulas). Tanto nas artes marciais chinesas chamadas de
Internas (Nei Dan) e externas (Wai Dan) o qigong está presente ou pelo menos
deveria. Nei Dan significa Elixir interno e está relacionado com o
desenvolvimento das energias internas para nutrir o todo, enquanto o Wai Dan,
Elixir externo, é o desenvolvimento do exterior para nutrir o todo. Muitos
pensam que o que determina uma arte ser interna é sua suavidade simplesmente, e
daí alguns pensam que o Xing Yiquan tem características externas. Não é assim
que se classifica a arte. O que determina é o desenvolvimento da origem da
nutrição da Energia, Qi. Nas artes internas o desenvolvimento se dá a partir
dos centros de força intrínsecos como os 3 Dan tian comandado pelo
desenvolvimento da quietude para alcançar o domínio sobre o Qi. Nas artes
externas o domínio se dá pelo desenvolvimento das estruturas externas como
ossos, tendões e músculos. Com o movimento dos membros esta energia nutre todo
o corpo. O comando mais sutil também só poderá se constituir a partir da
quietude. A quietude (Xin Jing) se dá a partir do domínio sobre a mente
emocional, Xin, e a nutrição da mente sábia, Yi. A mente Xin é inquieta como um macaco (Yuan)
enquanto a mente Yi é ritmada e organizada como o trote de um cavalo (Ma), daí
a expressão; Xin Yuan Yi Ma.
O desenvolvimento da
intenção, Yi nian, faz parte das características do qigong. Controlar a mente
inquieta, Xin, cheia de desejos, mas sim, focar na intenção, Yi, correta. Treinar
qigong não é somente fazer exercícios de meditação ou movimentos suaves para
controle do Qi, mas principalmente é o desenvolvimento do Yi nian, do fluxo do
Qi nutrindo músculos e tendões para o desenvolvimento principalmente nas artes
externas, e da nutrição dos centros de energia, Dan Tian, principalmente nas
artes internas.
8) Qual a importância do treino com armas nos estilos internos chineses
Antigamente o objetivo
principal do uso do treino com armas era capacitar o praticante a usá-la em
guerra ou para se defender. Hoje mais não. Depois que o praticante chega a um
nível intermediário do entendimento e domínio da estrutura da arte marcial
interna que estuda, então seu mestre lhe oferece o treino com armas como por
exemplo o uso principalmente do facão ou sabre (Dan Dao), espada (Jian), bastão
(Gun), lança (Jiang), espada e facão duplos (Shuang Jian e Shuang dao), arma de
Guang (Guangdao) em alguns estilos como o Chen Taiji, e mais recentemente, e
menos clássico, o uso do leque (Shanzi).
O objetivo principal
neste treinamento com armas é condicionar, em diversos estímulos diferentes, o
domínio sobre o Qi. Cada tipo de arma exigirá do praticante diferente força,
equilíbrio, foco, coordenação, suavidade, velocidade fazendo com que faça seu
Qi fluir além do seu corpo, no caso, fluindo e interagindo a arma como extensão
de seu próprio corpo, mente e espírito. Com isto, depois do treino com armas,
mudará toda a percepção quando se pratica sem as armas ampliando as
possibilidades no domínio do fluxo, armazenamento e controle do Qi.
9)O que é “Fa Jing”?
Fa Jing (ou Fa Jin) é a
energia interna Qi (Lê-se Chi) bem elaborada pelos centros Dantian (Campo do
Elixir ou Cinábrio) sendo expressa pelos músculos e tendões (Li) através de
contrações destes com condução da atitude mental. O Fa Jing é o resultado de Qi
mais Li daí nascendo a expressão “Só Qi é muito, só Li é pouco”. A maior parte
dos praticantes usam o Fa Jing de forma inadequada pois o fazem basicamente
utilizando o Li que é a força muscular. Para expressar o Fa Jing é necessária a
instrução cuidadosa de um mestre de artes internas quando será ensinado o
desenvolvimento do Qi nutrido e armazenado nos centros de
energias,desenvolvimento da intenção (Yi Nian), liberação e nutrição do Qi para
músculos e tendões, postura e respiração corretas para a expressão do Fa Jing e
a preparação adequada das articulações, músculos e tendões. A utilização
externa da contração muscular mesmo utilizando um bom Yi Nian não significa que
está se aplicando o Fa Jing. É o que acontece com a maioria dos praticantes
mesmo das artes internas e ainda em maior número das artes externas. Não
significa que aplicando desta forma não surta efeito de machucar o adversário
mas com certeza estes machucados serão mais externos enquanto um bom Fa Jing é
menos dolorido externamente e o estrago interno, quando aplicado com esta
intenção, poderá levar o adversário à morte.
Há estilos diferentes
que utilizam o Jing também de forma diferente caracterizando-os por isso. Os
estilos duros (Ying Shi) mantêm os músculos e tendões tensos durante a
preparação do golpe assim como durante o próprio golpe visando proteger as
articulações das lesões provocadas pelo impacto e força do golpe. Com isto as
lesões causadas por estes impactos no adversário são demasiadamente externos.
Tem-se exemplos estilos como os de garra de tigre Hung Gar, Hu Zhao. Há outra
modalidade no uso do Jing que são os estilos duros-suaves (Ruan Ying Shi) que
permanecem totalmente relaxados na preparação do golpe mas há contração no
momento exato do golpe também visando proteção de articulações, tendões e
ligamentos. São exemplos destes os estilos da serpente (She Quan), Garça Branca
(Bai He Quan), Ba Gua Zhang e Xing Yi Quan. Nestes casos há lesões no
adversário internas e externas a depender do domínio e intenção do praticante. Por
último há aqueles estilos que usam o Jing como estilo suave (Ruan Shi) se
caracteriza por estar relaxado na preparação e durante o golpe. No golpe, antes de atingir a máxima extensão
das articulações, como exemplo cotovelo e ombro para golpe de braço, recolhe o
membro como se fosse um chicote (Bian Shi). Esta intenção do recolhimento faz
com que haja contração músculo/tendão protegendo as articulações. Este tipo de
movimento gera uma força dupla 2F em dois vetores que se somam. Uma força F do
movimento direto e outro vetor de força F proveniente do movimento de
recolhimento no instante final (Bian Shi). Com isto quando o praticante domina
a técnica gera a partir de simples e relaxados movimentos forças espantosas com
danos internos importantes. Estilos como o Taiji quan (Tai Chi Chuan) são
representantes desta prática.
O relaxamento nos
estilos suaves e nos duros-suaves visa recolher a força do Dan Tian e
expressá-la na zona de impacto tendo os músculos e tendões como condutores. Os
estilos suaves (Taiji quan e Liu He Ba Fa) e alguns estilos duros-suaves (Xing
Yi quan, Dong bei quan e Ba gua zhang) são considerados estilos “internos”
enquanto os estilos duros são considerados “externos”.
10) Alguns estilos, como o Xingyi
Quan e o Yi Quan, enfatizam a meditação em pé Zhan Zhuang (conhecido como
“Postura da Árvore”). Qual a importância desse exercício em especial?
Apesar de ter se
popularizado como “postura da árvore” Zhan Zhuang significa “em pé como uma
estaca” e contém dezenas de diferentes posturas estáticas. O Zhan Zhuang é um exercício antigo de
controle e domínio do Qi quanto a seu desbloqueio, captação, circulação e
armazenamento que são as 4 fases essenciais do domínio do Qi (Qigong). Ao
contrário do que muitos desconhecedores das artes internas pregam o Zhan Zhuang
é exercício fundamental para a prática e desenvolvimento das artes internas. É
uma prática física, energética e meditativa. O dito chinês antigo reflete que
“Para um homem comum viver é estar em movimento, para um verdadeiro mestre das
artes internas para atingir a imortalidade é preciso parar”. Ser imortal não é
não morrer nunca mas sim, se realinhar e estar conectado com as forças eternas
(Yong) do Universo onde o Qi correto Zheng
Qi é sua grande expressão. O Ideograma antigo de Qi é a junção de duas
partes, em uma significa não e a
outra significa fogo. Se a Energia
está correta está sem fogo, pois o
excesso ou a deficiência podem gerar estagnações ou estímulos inadequados que
gerará como resultado calor.
Nas práticas internas
chinesas é fundamental encontrar o movimento dentro da estaticidade e a
estaticidade dentro do movimento. A estaticidade dentro do movimento é a
percepção do eixo. O centro de massa do corpo deve coincidir com o Dantian
inferior pouco abaixo do umbigo para que o movimento ou forma parada tenha a
nutrição adequada deste centro de energia. Por isso a postura é a parte mais
importante inicialmente na prática, pois a partir da postura se alinham as
forças necessárias para o desenvolvimento correto, daí se segue o
desenvolvimento da respiração e da atitude mental corretas. Como tive a
oportunidade de ouvir de Chen Xiaowang e Zhang Xiulin, grandes mestres, “se
você erra a respiração, mas acerta a postura é apenas um erro, no entanto se
você erra a postura e acerta a respiração são dois erros já que não há
respiração correta numa postura errada”. Com isso o praticante deve passar os
primeiros anos treinando até que atinja a postura correta e o treinamento do
Zhan Zhuang se faz totalmente fundamental no desenvolvimento das artes
internas. Encontrar o movimento dentro da estaticidade, como no Zhang Zhuang, é
perceber o fluxo contínuo do Qi (Yun Qi) enquanto se alinham as forças que são:
Postura correta, respiração adequada e atitude mental condizente ao nível do
trabalho. Deve acontecer na prática as 3 uniões internas e 3 uniões externas. A
meditação nas 3 uniões externas são Punho/Tornozelo; Cotovelo/joelho e
Ombro/Quadril. As 3 uniões internas são
Espírito/Pensamento; Pensamento/Vontade e Vontade/Força. Assim nutridos pelo
alinhamento da atitude mental, a postura e a respiração.
11)Sun Lutang foi enviado para um
mosteiro taoísta por seu mestre para estudar I Ching e assim aperfeiçoar seus
conhecimentos de Baguazhang. Onde está a importância do estudo filosófico para
o aperfeiçoamento nas artes marciais?
Cheng Ting Hua foi
mestre de Sun Lutang. Cheng foi o segundo aluno mais antigo de Dong Hai Chuan,
criador do estilo interno Ba Guazhang. O mais antigo aluno foi Yin Fu seguindo
diversos outros alunos famosos como Ma Wei Chi, Zhang Zhaodong, Liang Zheng Pu
e muitos outros. Esta geração tinha uma perícia fenomenal mas precisavam
urgentemente entender sua própria arte profundamente para que ganhasse
estrutura e forma para sobreviver sendo passada ao longo do tempo. Dong
Haichuan ensinou a alunos que eram peritos em alguma arte com bom nível de
profundidade sendo que ensinava o Ba guazhang a partir da arte de domínio de
cada um. Se não houvesse nada que amarrasse este conhecimento seria provável
que este viesse a se perder ou mesmo criar vários estilos diferentes sem raiz.
No entanto todas estas artes ensinadas de forma diferente para cada discípulo
tina um mesmo princípio e raiz que é a filosofia do Ba gua englobada em livros
antigos como o Yi Jing e outros livros taoistas do templo de Wudang. Como Sun
Lutang era um estudioso muito inteligente foi incumbido de se aprofundar nesta
estrutura filosófica e foi ao templo de Wudang por alguns anos para sua
pesquisa que se tornaria o alicerce da arte do Ba guazhang.
Toda arte tem seu
paradigma e os paradigmas nascem nutridos em grande parte pela filosofia. Como
desempenhar uma arte plenamente se não conhece o seu fundamento de ação,
pensamento e estrutura? Como diferenciá-la das outras artes e como ensiná-la
profundamente.
12)Existe alguma ordem didática
para se aprender os estilos internos?
Não há ordem didática
pré-estabelecida, no entanto seguindo o estudo filosófico que se faz
normalmente estudando a teoria da criação do Universo a partir do entendimento
das teorias do Taiji Tu (Figura do Taiji), Bagua (oito trigramas) e do Wu Xing
(cinco movimentos ou elementos) segundo muitos mestres é razoável se pensar em
desenvolver o Taiji quan inicialmente, seguido do Bagua Zhang e Xing Yi quan,
mas o mestre Sun Lutang fez o inverso e foi um grande mestre.
13) O que o senhor nos falaria sobre
o Tai Chi Chuan enquanto arte marcial de combate?
Nem precisaríamos
separar esta pergunta se o Taiji quan (Tai Chi Chuan) fosse praticada de forma
correta. O Taiji quan é uma arte marcial e como tal deve ser assim praticada.
Como já expliquei é uma arte de domínio do Qi suave para o Fa jing. Estilo
suave (Ruan Shi) com todas as especificações já comentadas. É uma poderosa arte
marcial se for dominado o seu Fa Jing. Numa completa e eficiente arte marcial,
o praticante deve desenvolver velocidade (Kuaiman), força (Liliang) e
estratégia (Zhanlue). Se há velocidade pontos importantes podem ser atingidos,
mas se não há força poderá não ser efetivo o ataque. Para fazer com que a
velocidade e a força sejam efetivas num combate é importante desenvolver a
estratégia correta. O Taiji quan é uma arte marcial completa e muito eficiente,
mas se faz necessário um verdadeiro mestre da arte para levar o discípulo a desenvolvê-la
como tal. Caso contrário se tornará uma dança e não uma arte marcial. Apesar de
todos verem sua lentidão nas práticas de suas formas (Taolu), mas isso é para
refinar o movimento, acalmar a mente/coração, e controlar o Qi. Com isto o Fa
Jing é desenvolvido dentro de uma determinada estratégia de efetividade.
14)Existem diferenças conceituais
importantes entre os três estilos internos mais conhecidos (Taijiquan, Xingyi
Quan e Baguazhang). Quais seriam as principais?
Apesar de todas estas
artes serem consideradas internas, no entanto possuem suas particularidades
inclusive na concepção de seu Fa Jing como já discuti anteriormente.
Para que se possa
tornar um bom praticante das artes internas é necessário conhecer a história de
sua arte e daquelas “irmãs”, pois se o praticante não conhece bem o passado se
perderá no presente e dificilmente poderá almejar um futuro brilhante dentro de
sua arte. Também é fundamental conhecer os princípios e a teoria, pois uma arte
completa é estruturada pelos seus princípios e de toda uma teoria clássica ou
moderna que suporta seu desenvolvimento. Sem este conhecimento é impossível
desenvolver uma arte marcial em níveis profundos. É necessário saber o que se
faz profundamente. Muitos praticantes de Taiji quan nem sabem que existem outros
estilos de Taiji quan que não aquele que pratica nem ao menos seus fundamentos.
E outro tanto nem sabe o estilo que pratica. Isto é um absurdo para o
desenvolvimento da arte. É importante conhecer o que faz os mestres da arte
sendo da sua escola ou não. O que é bom é para ser observado e aprendido
inclusive para fortalecer e diferenciar a sua arte daquelas outras. É
importante conhecer os seus princípios e também aqueles que não são princípios
da sua prática para conhecer todo um universo de práticas semelhantes e
fortalecer a sua, discernindo o que é daquilo que não é então, podendo comparar
e diferenciar.
Estas artes são combinações
de princípios gerais das técnicas chinesas: Técnicas de derrubar o inimigo
(Shuai Jiao), lutar livremente ou imobilizar as articulações (Chin Na), golpes
buscando as cavidades (Dian Xue), golpear com punhos e pés (Ti Yi Da). Um
exemplo comum é imobilizar articulações seguido de derrubar o adversário e
atacar pontos específicos, sendo Chin na, Shuai jiao e Dian xué aplicados em
sequência.
**No TAIJI QUAN meus mestres dizem que
“no mais alto nível se atinge a simplicidade, mas a simplicidade é o mais
difícil, isto é trabalho de uma vida”.
Dizem que se você
pratica por trinta anos ou três meses será que é capaz de incorporar
efetivamente “os oito trigramas nos braços e os cinco elementos sob seus pés”?
Caso contrário ainda falta muito para a maestria.
No Taiji quan há
principalmente cinco estilos tradicionais, a saber: Chen, Yang, Wu, Sun e Hao.
Apesar das diferenças técnicas há princípios únicos entre estes.
Para o entendimento dos
oito trigramas na mão é necessário praticar o “envolver o fio de seda” (Chan si
jin). Se quiser entender o Chan si jin deve entender a figura do Taiji (os dois
peixes se entrelaçando). A prática se desenvolve em três estágios:
1) Você deve mover as
mãos dependentes de seu corpo. O movimento das mãos depende do movimento do
corpo, do eixo e do centro. O movimento dos braços é em torno do centro como a
Terra gira em torno do sol. Durante a execução do movimento prestar atenção em
cada mão para a relação entre a palma (Yin) e o dorso (Yang). Quando a palma
está voltada para cima a mão apresenta o trigrama Kun (Terra) e quando a palma
está para baixo a mão mostra o trigrama Qian (Céu). Durante todo o movimento as
mãos mostram os oito trigramas quando passam pelo círculo do Bagua do céu
anterior (Xian Tian Ba Gua) semelhante ao ciclo mensal lunar saindo de nova
para cheia e retornando.
2) Todas as partes do
corpo devem mostrar revoluções como a Terra girando em torno de seu próprio
eixo acrescentando ao movimento de sua órbita como no tópico anterior. Isto
resultará um movimento em espiral. O Chan si jin, a partir de agora, será
executado com ambas as mãos. Nesse movimento deverá se complementar e enquanto
a mão direita mostrar o trigrama Tui (Lago) a esquerda mostrará Ken (Montanha).
Uma das mãos estará crescendo para o Yin e a outra para o Yang. O máximo Yang
(representado pelo céu Qian) o Qi se expressa na palma. O máximo Yin
(representado pela terra Kun) o Qi penetra no Dantian inferior. Nas fases
intermediárias o Yin crescendo dentro do Yang (representado pelo lago Tui) o Qi
penetra na cintura e quando o Yang crescendo dentro do Yin (representado pela
montanha Ken) o Qi penetra nas costas. O ciclo se equilibra Dantian/Palma e
Cintura/Costas. Enquanto na esquerda o Qi está na Palma ou nas Costas na
direita o Qi está no Dantian ou na cintura respectivamente. E vice-versa.
3) Durante as formas
individuais deve-se visualizar e dominar os recursos para poder trocar esta
energia com um parceiro.
Em suma durante o Taiji
quan o movimento acontece a partir do centro e não há movimento dos braços sem
que este seja induzido pelo centro. O movimento acontece em espiral continua
onde há equilíbrio dinâmico entre os oito portões (Ba Men), alto e baixo;
direita e esquerda; interior e exterior; frente e costas. Os aspectos Yin
equilibram os aspectos Yang e vice-versa. O centro de massa do corpo deve
coincidir com o Dantian inferior. Para isto a postura deverá ser correta. No
erro de postura o Dantian não coincide com o centro de massa do corpo gerando
falta de nutrição do centro em relação à extremidade ferindo o princípio Nei
Dan (Elixir interno).
Quanto a postura no
Taiji quan há princípios universais como o topo da cabeça voltado para o céu, o
peito naturalmente recolhido e as costas naturalmente abertas facilitando o
fluxo do Qi pelos canais Du mai e Ren mai, reconhecer e diferenciar palma cheia
e palma vazia (Bao zhang e Xu zhang) assim como base cheia e base vazia (Bao bu
e Xu bu), o movimento é contínuo sem começo e sem fim como no Taiji tu, a
cintura livre com movimento consciente controlando o fluxo do Qi e movimentos
articulares relaxados.
**Quanto ao BA GUA ZHANG é uma nobre
arte além de muito efetiva em combate é uma das mais belas artes gerando saúde
com movimentos agradáveis e vivos tornando uma prática possível de ser
praticada por homens, mulheres, jovens e idosos sendo extremamente benéfica
para todos. Penso que por suas características poderá ser tão popular ou ainda
mais que o Taiji quan em algum tempo. O Bagua zhang (Palmas do Ba Gua) foi
criado pelo grande mestre Dong Haichuan no século XIX a partir de técnicas de
lutas taoista e a arte milenar de “andar em círculo”. Teve uma geração de
discípulos com extrema maestria como Yin Fu, Cheng Tinghua, Liu Dekuan, Ma
Weiqi, Zhang Zhaodong, Shi Jidong, Liang Zhenpu, Liu Fengchun, Song Shirong
dentre outros. Dong Haichuan somente ensinava a quem já era perito em alguma
arte marcial e ensinou um Bagua zhang com mesmos princípios mas diferente a
cada discípulo gerando hoje os diferentes estilos. Dentre seus discípulos Yin
Fu dominava o estilo “Luo Han”, Cheng Tinghua dominava “Luta chinesa”, Liu
Dekuan era perito em “Shaolin quan e Lança”, Zhang Zhaodong em “Shaolin quan e
Xingyi quan”, Shi Jidong em “Tan Tui”, etc. Mas foram os mestres da segunda e
terceira geração discípulos destes anteriores que uniram o conhecimento
profundo da filosofia do Ba Gua e dos 64 Hexagramas contidas no Yi Jing e
outros livros taoistas tornando-a uma arte rebuscada tanto fisicamente quanto
intelectualmente. Agradecemos a isto mestres de extrema habilidade marcial mas
também de grande perspicácia e inteligência como Sun Luntang, Jian Rongqiao,
Sha Guozheng, Li Ziming dentre outros.
Há diversos estilos de
Bagua zhang sendo que em 1984 houve uma reunião em Beijing pelo estímulo do
governo chinês com demonstração de grandes mestres e discípulos de dezenas de
ramificações do Bagua zhang e inaugurando o museu Dong Haichuan. A partir daí
houve um grande impulso ao desenvolvimento do Bagua zhang. A pesar de diversos
estilos há princípios fundamentais que unem todos fazendo dela uma verdadeira
arte. O andar em círculo com 8 transformações baseadas nos 8 trigramas do Ba
Gua desenvolvendo as técnicas fundamentais do estilo conhecido e armazenado no
Lao Ba Zhang “oito palmas velhas”, seguido da construção das 64 palmas que tem
os 64 hexagramas do Yi Jing como estrutura do pensamento e desenvolvimento são
técnicas que unem a grande maioria dos estilos. Hoje já existe em algumas escolas
mais de 30 gerações e como sempre vale a máxima que quanto mais perto da fonte
mais limpa é a água.
De uma forma geral há
13 posições de palmas “zhang” mais utilizadas são Yang zhang, Tiao zhang, Shu
zhang, Pao zhang, Pi zhang, Liao zhang, Fu zhang, Zhuang zhang, Chuan zhang, Ya
zhang, Tui zhang, Qei zhang e Tuo zhang. Assim como 9 posições de bases “bu”
mais utilizadas são Kou bu, Bai bu, Ma bu, Gong bu, She Liu bu, Xu bu, Tin bu,
Pu bu e Ao bu.
As caminhadas do Bagua
zhang são bem características e em sua grande maioria em círculos. Isto promove
junto a movimentos de braços e pernas bem organizados e coordenados uma arte
marcial muito eficaz e uma arte extremamente benéfica para saúde. As mãos e pés
como micro-sistemas representativos de terminações nervosas que impactam os
órgão e tecidos do corpo assim como também os grandes meridianos de energia do
corpo como aqueles dos 6 níveis como Tai Yang, Shao Yang, Yang Ming, Tai Yin,
Jue Yin e Shao Yin são estimulados e reorganizados para que todo o corpo
restitua ou mantenha sua plena capacidade antipatogênica, no caso o Qi correto “Zheng Qi”.
As forças “Jing” do
Bagua zhang. No caso seu Fa Jing:
1)
Zong
Heng Jing – a força reta e a força lateral. Integram-se dois tipos de
trajetórias sendo a Zong – em linha reta para frente ou para trás e Heng – para
a direita ou esquerda. Estas diferente forças/direções não devem ser utilizadas
de forma isoladas mas sim, unidas.
2)
Ning
Jing – a força de torção. Uma parte está fixa enquanto se move em torno para
direita ou para a esquerda como em uma torção de uma toalha molhada. Está
presente na maior parte dos movimentos do Bagua zhang.
3)
Yuan
Hu Jing – a força arredondada. O arredondado presente no Bagua zhang está na
forma do movimento e na forma do corpo. De duas maneiras: A primeira maneira é a
forma e a posição do corpo como os pés escavados, as costas e escápulas
arredondadas, joelhos flexionados, braços arredondados, os quadris bem
posicionados sobre as coxas. A segunda maneira é a trajetória do movimento
estimulado pela rotação deste, os braços se arredondam girando e movendo-se
segundo uma rota arredondada como um movimento de roleta. Isto permite a força
de estar contínua e correta.
4)
Zheng
Guo Jing – pressionar para fora e comprimir para dentro. É mais uma força
dissimulada que não é muito visível no exterior. Esta vem da intenção forte no
movimento “Yi Nian”. Num movimento completo não há separação das forças, mas
sim estas são utilizadas concomitantemente. Se alguém pressiona deve-se fazer a
exata força contrária para anular a força do ataque nem mais nem menos.
5)
Zheng
Jing – a força verdadeira. É a base de todas as outras forças anteriores. Se um
praticante deseja chegar em alto nível precisa pesquisar esta força. Todo
movimento deve conter a força verdadeira. Deve aprender a unir toda a força
externa e interna para poder ser dirigida a um único ponto. É possível gerar
força impressionante apenas com o movimento de um dedo impactando um ponto no
adversário. Quando atingir este nível o praticante atingiu um alto
desenvolvimento.
6)
Luo
Xuan Jing – a força que gira e penetra. É como perfuração ou torção que
se faz durante o movimento. Quando se andar e se
movimenta sem esta intenção de girar e penetrar,
a força nas técnicas do Bagua zhang não é grande. A união destas forças no
movimento somadas à concentração se obtém uma força para o exterior geradas no interior que são penetrantes.
Isto gera um vigor capaz de anular a força do oponente.
**O XING YI QUAN “punhos do pensamento e da intenção” tem suas
características dentro da filosofia do Yin e Yang, mas principalmente dos 5
movimentos/elementos (Expansão-madeira, Ascenção-fogo, Nutrição-terra,
Retração-metal, Descendência-água). Conta-se que este estilo teve origem com o
marechal Yue Fei há mil anos aproximadamente. Mas seu grande expoente foi Li
Neng Ran nascido na província de Hebei no século XIX, na China. A maioria dos
estilos do norte de Xingyi quan praticado em todo o mundo teve origem com este
mestre. Os seus dois discípulos dele mais famosos foram Liu Qilan e Guo Yunshen
mas também teve outros discípulos famosos como Song Shide, Song Shirong, Li
Taihe, Bai Xiyuan, He Yongheng, Li Guangxiang e Che Yichai.
O mestre Guo Yunshen
teve como discípulo de Xingyi quan que muito se destacaram: Li Kuiyuan, Wang
Xiangzhai (Criador do Yi quan), e Sun Lutang que também estudou com Li Kuiyuan.
Já o mestre Liu Qilan teve discípulos muito famosos por suas habilidades como
Li Cunyi, Geng Jishan, Wang Fuyuan, Zhang Zhaodong, Liu Dianchen, Zhou Mingtai,
Liu Dekuan (que aprendeu também o Bagua zhang e construiu os 64 movimentos em
linha do Bagua zhang diferenciando dos outros em círculo). Observem que muitos
destes praticantes do Xingyi quan também foram praticantes de Bagua zhang com
Dong Hai ou seus discípulos diretos. Relembrando que o mestre Zhang Zhaodong,
discípulo de Liu Qilan e Dong Haichuan, ensinou sua arte do Xing Yiquan e Bagua zhang
para Jiang Rongqiao que por sua vez ensinou a Sha Guozheng, sendo o principal
mestre de Zhang Xiulin que é meu mestre. Este estilo foi chamado de Xing Yi Ba
Gua zhang sendo um daqueles praticado em nossa escola. O estudo/prática do
Xingyi quan inicia-se pelo domínio de meditar e fortalecer o espírito em pé
chamado San Ti Shi seguido de dominar a caminhada fortalecendo a base e os 5
punhos ligados aos 5 elementos.
No Xingyi quan há
método-princípio-xingyi em 3 fases. 1) Energia óbvia (método), Transformar
Essência em Qi (princípio), Transformar os ossos (xingyi); 2) Energia escondida
(método), Transformar Qi em Espírito (princípio), Transformar os tendões (xingyi);
3) Energia transformada (método), Transformar Espírito em Vazio (pricípio),
Transformar as medulas (xingyi).
O San Ti Shi (Prática
dos 3 corpos) no xingyi quan se refere a cabeça,mãos e pés. Pode-se dividir o entendimento
em 3 partes; Raiz, área média e terminal como da seguinte forma: 1) Cintura
(Dan tian), Coluna (Coração) e Cabeça (ponto Bai Hui); 2) Articulação do
quadril, Joelhos e Pés; 3) Ombros, Cotovelos e Mãos. Todo praticante de Xingyi
quan começa com a postura estática em pé San Ti Shi depois o treinamento das
caminhadas com as formas fazendo sempre os passos corretos para a completa
evolução. Todas as sequências de movimentos estão fundamentadas no San Ti Shi.
Esta postura é o portão do caminho sendo a raiz para desenvolver o Xingyi quan.
Outro trabalho
fundamental são os 5 punhos dos elementos (Wu Xing quan): Pi quan (metal), Zuan
quan (água), Beng quan (madeira), Pao quan (fogo), Heng quan (terra). Este
estudo está baseado nos ciclos de geração (Sheng) e de controle (Ke) para
ataque e defesa. Segue a este treinamento a prática dos 12 animais que são
fortes, mas pequenas formas de exercícios que serão utilizadas nas grandes
formas daí por diante: Dragão, Tigre, Macaco, Cavalo, Crocodilo, Galo, Águia,
Urso, Carpa, Serpente, Falcão e Andorinha.
Para atingir alto desempenho
e evolução no Xingyi quan deve seguir inicialmente os 8 pontos vitais: O
interior deve ser erguido, Os 3 corações devem se unir, As 3 intenções devem
seguir uma a outra, Os 5 elementos devem fluir suavemente, As 4 chegadas devem
se mover juntos, O coração deve estar tranquilo, Os 3 pontos devem estar em
linha, Os olhos devem focar em um único ponto.
O interior deve ser
erguido está relacionado com o levantamento dos esfíncteres e a língua elevada
no céu da boca assim como o topo da cabeça sempre erguido. O Qi vai para o
topo. Já os 3 corações são os pontos Bai hui, Lao gong e Yong quan. Estes 3
pontos são intencionados para o centro do corpo.
As 3 intenções são Qi
(energia), Li (força) e Yi (intenção). Os 5 elementos fogo, terra, metal, água
e madeira representados externamente no corpo como língua, boca, nariz, orelhas
e olhos, internamente coração, baço-pâncreas, pulmão, rins e fígado. As 4 chegadas
são: A língua é a chegada da carne, Os dentes são a chegada dos ossos, Os dedos
de pés e mãos são chegadas do tecido conectivo e Os poros do corpo são chegadas
dos vasos sanguíneos. Os 3 pontos que me referi são o nariz, o dorso da mão e
do pé.
Para contribuir com a
perfeição dos 8 pontos vitais temos as 7 chaves do Xingyi quan que são:
Afundamento da cintura, O relaxamento dos ombros, Recolhimento do peito,
Pressionar, Levantar, Mover obliquamente ou em linha suavemente deve ser bem
compreendido, Deve ser claramente separado o Erguer, perfurar e derrubar.
No início da prática do
Xingyi quan deve se praticar de forma suave e devagar para relaxar e abrir os
tecidos conectivos e ossos a fim de guiar o Qi e como consequência o poder. O
praticante saindo do nível de iniciante depois de meses de intensa prática
poderá impor mais força correta e velocidade isto o ajudará a desenvolver força
interna para a aplicação marcial. Os métodos se alteraram no entendimento da
força e velocidade encontrando o refinamento da aplicação do Fa Jing ao longo
de cerca de 10 anos de estudos e prática contínua.
Todas estas 3 artes
usam principalmente como armas de práticas o Bastão, o Fação (Sabre), a Espada
e a Lança.
Espero não ter me
alongado muito mas fica claro que há muito mais para se falar destes métodos de
artes marciais do Taiji quan, Bagua zhang e Xingyi quan mas estes são alguns
princípios iniciais que espero que o público interessado possa refletir e
absorver. Para o desenvolvimento adequado se faz necessário a condução de
professores e mestres competentes na compreensão profunda dos fundamentos da
arte. Isto inclui desde a compreensão da história e filosofia até os
fundamentos e princípios da arte marcial e do processo de cura pertinente a
estas práticas internas. Uma prática errônea quanto a estrutura e princípios da
arte fadará o praticante a não atingir os resultados adequados e frustrar a
todos.
15) Quais conselhos daria ao
praticante ou àqueles que desejam aprender os estilos internos chineses?
Se quiser desenvolver
de verdade procure um professor ou mestre que domine sua filosofia, sua
estrutura e sua marcialidade. Que tenha conhecimentos da arte como um todo e
seja sustentado por uma boa linhagem. Aquele que foi um bom discípulo terá uma
maior chance de ser um grande mestre. Muitas vezes estes conhecedores não
estarão filiados a entidades de classe nem a clubes por não acreditar nestes,
mas estão geralmente estruturados em Institutos ou Associações para o
desenvolvimento do trabalho de divulgação. Apesar de poder encontrar bons
professores filiados também. Cuidado também pois muitos “falsos professores”
não se filiam a nenhuma organização por não terem nenhum registro de linhagem
nem ter tido nenhum mestre responsável como são geralmente exigidos pelas
associações, federações e ligas desportivas sérias as comprovações dos estudos
e linhagem tradicional para seus filiados.
De uma forma em geral é
difícil no Brasil encontrar bons professores do verdadeiro Taiji quan e mais
raro ainda das outras artes internas.
Obrigado pela
oportunidade de falar sobre estas nobres artes que sempre busco honrar não
somente meus mestres, mas toda a linhagem que construíram e mantiveram a muito
custo estas brilhantes relíquias da cultura chinesa que interliga a arte
marcial, a filosofia e a medicina.
Endereço do currículo lattes:
http://lattes.cnpq.br/5964326300479556