domingo, 3 de novembro de 2013

PRATICAR QIGONG

A prática do Qigong está cada vez mais próxima do cotidiano e conhecimento da população graças a um trabalho contínuo de verdadeiros praticantes e pesquisadores desta nobre arte. O Real objetivo é fazer com que este conhecimento chegue àqueles que necessitam dele. Para isto precisamos dos verdadeiros praticantes capazes de passar este conhecimento com verdade e profundidade adequada para atingir a sua máxima eficácia sem se perder em mãos daqueles que usam estes conhecimentos e associações como política para beneficiar pequenos grupos de pessoas. Tudo que cresce e expande passa por este risco. 
Precisamos inicialmente sermos tocados e transformados pela prática para isto levamos anos de estudos e práticas pois não é um conhecimento intelectual apenas, subentende-se um conhecimento de profunda sensibilidade para sua compreensão o que somente é possível com a prática diária e, se possível, guiado por mestres competentes por longo período e não apenas por cursos que duram um fim de semana ou conhecimentos livrescos. Ter contato com a arte não significa ter aprendido esta. Para ensinar é preciso ter aprendido. A banalização do conhecimento é o primeiro e mais grave sintoma que a essência poderá ser perdida. Sem essência qualquer arte deixa de ser arte e passa ser apenas uma "caricatura" de si mesmo. Apenas uma casca. 
Para se perceber a transitoriedade da vida assim como sua transformação/transmutação contínua, para viver de forma plena e construtiva, se faz necessário perceber o movimento dentro da estaticidade assim como a estaticidade dentro do movimento. O Qigong em sua essência é uma grande ferramenta para esta vivência contribuindo de maneira eficaz para o desenvolvimento humano desde suas capacidades físicas até aquelas psíquicas e espirituais. Há de se ter estudos e práticas com assiduidade, refinamento e persistência para que ao longo dos anos possa se desenvolver estas capacidades sendo que muitas destas são intrínsecas ao próprio ser humano com sua matéria e sua experiência espiritual na Terra. É necessário buscar o conhecimento, pois, tão refinado saber não lhe cairá sobre seu colo. É necessário buscar os bons professores e mestres para que possam te ensinar e mostrar os caminhos, pois isto pode abreviar caminhos tortuosos e, caso não tenha este direcionamento, poderá até mesmo incapacitar a chegada ao objetivo esperado. Sem alguém como professor que traz consigo uma experiência de seus ancestrais um pretenso praticante pode passar anos ou vidas sem o caminho correto de desenvolvimento.
A persistência é outra grande barreira para a maior parte dos indivíduos, pois resultados duradouros e profundos podem levar algum tempo para acontecer e uma mente frágil e dispersa com as muitas cores e muitos barulhos da vida atual poderá se perder e desistir facilmente da caminhada. Diz meu mestre que se você não pratica por 01 dia você sabe. Se não pratica por 02 dias, então seu mestre sabe. Se não pratica por 03 dias, todo mundo sabe.
A busca e a prática se fortalecem na fomentação de seu próprio elixir interno (Nei Dan), substância capaz de construir o poder de geração e controle a partir do interior alimentando, fazendo fluir e conectando os 08 portões (Baixo-Alto, Interior-Exterior, Frente-Costas, Direito-Esquerda) através do fortalecimento do Qi original e 08 Vasos extraordinários/maravilhosos assim como a melhor estruturação da quantidade e qualidade das substâncias fundamentais (Jing - essências, Ying Qi - nutritivas, Wei Qi - defensivas, Xue – Sangue, Shen – psíquicas) gerando a capacidade de transformação e adaptação ao meio interno e externo a partir do pleno fluxo do Qi (Yun Qi) conhecido como Qi Correto (Zheng Qi). Não há excessos, não há deficiências.
A partir da compreensão das 04 fases do Qigong: desbloqueio do Qi, captação do Qi, Circulação do Qi e armazenamento do Qi, gera a capacidade mínima inicial para começar o aprendizado em trabalhar com o Qi (Qigong). Pode-se passar uma vida mal treinada e se fazer muitos movimentos até parecidos com o Qigong, mas se não houver princípios e fundamentos corretos não será um Qigong nem levará o praticante aos grandes resultados esperados. Quando diversas pesquisas hoje em dia mostram a eficácia do Qigong está se mostrando sobre práticas corretas e não qualquer prática. Quando a ciência dos antepassados falava sobre a capacidade dos mestres de Qigong são ainda mais apurados os métodos de treino. Em suma, praticar Qigong não é repetir movimentos, mas sim buscar sua essência transformadora.
Parabenizo a todos aqueles que se empenham pelo estudo e busca incessante no caminho de construir um bom Qigong. Que no futuro próximo toda a humanidade possa ser mais beneficiada com este conhecimento milenar de alto valor. Trabalhamos por isso.

Gutembergue Livramento

segunda-feira, 1 de julho de 2013

Entrevista para revista especializada com o Mestre Gutembergue Livramento


1- Não é comum um praticante atingir um alto desempenho nas artes marciais, ou em outros esportes de alto rendimento, e ao mesmo tempo uma bela carreira acadêmica nos bancos das universidades como aluno e professor como o senhor tem feito. Portanto nos conte um pouco sobre esta sua história.                    
       
    Infelizmente esta separação é o que acontece com a maioria. Ambos os estudos fortalecem o caráter e educam o espírito e sempre os vi com o mesmo nível de importância e respeito por isso a dedicação. Nasci em 1968 em Itaetê, na chapada diamantina, interior da Bahia. A partir dos 10 anos de idade me interessei pela arte marcial chinesa com a leitura dos livros e revistas que chegavam a minhas mãos. No início da minha adolescência, nos anos 80, encontrei na cidade de Salvador meu primeiro mestre chinês que estava ministrando palestras na cidade mas morava em São Paulo. Treinei com Hu Shao Xiu por quase 20 anos onde estudei estilos provenientes do Shaolin onde obtive toda minha base marcial inicialmente. Ao mesmo tempo fui apresentado aos 15 anos às artes internas iniciando pelo Taiji quan estilos Wu, Yang e Chen buscando mestres competentes e pesquisando as artes internas. Conheci o mestre Zhang Xiu Lin na China nos anos 90 assim aprendi e aprofundei as artes internas chinesas a partir de então, como o Bagua zhang, Xingyi quan, Taiji quan e Dongbei quan sendo estudados conhecimentos das linhagens de Sha Guozheng, Li Ziming, Chen Fake, Yang Chenfu e Sun Lutang. Também nos anos 90 conheci o mestre Chen Xiaowang onde através de diversos cursos e contatos estudei e aprofundei o estilo Chen de Taiji quan assim como com outros mestres. Aprofundei-me no estudo do Qigong médico e marcial assim como na Filosofia e Medicina Chinesa com estudos dentro e fora dos meios acadêmicos universitários a partir dos 16 anos que busco aperfeiçoamento constante em fontes no ocidente e na China. Sou professor membro filiado ao centro de estudos de Qigong e Taiji quan de Shenzhen, Guangdong, China. Mantenho meus estudos e pesquisas com mais de 30 anos de prática sempre buscando conhecer e se possível treinar com os grandes mestres destas artes. Aprendi desde cedo que se você quer ser bom acompanhe os melhores, pois a mediocridade está cheia de companhias.
Faço parte da seleção brasileira desde os anos 90 com cerca de 12 títulos brasileiros, títulos e medalhas em campeonatos sul americanos, mundial e outros incluindo em eventos mundiais de campeonato e festivais chineses. Tudo isto rendeu mais de 80 medalhas de ouro e outro tanto somando prata e bronze. Sendo que no campeonato brasileiro de 2009 venci com 8 medalhas de ouro em um único evento. Agradeço profundamente a todos os meus mestres e professores e principalmente a minha família. Treinei alunos de nossa Escola em eventos nacionais e internacionais inclusive para a China, somados todos eles ganharam mais de 100 medalhas nestes eventos. É importante ser vitorioso e poder ensinar a outros como sê-lo. Fui presidente da federação de Kungfu Wushu do estado da Bahia por mais de 10 anos. E sempre contribui com a confederação treinando atletas, mesmo de outras escolas, auxiliando o crescimento da seleção brasileira nos estilos tradicionais. Nos estudos acadêmicos, além da Medicina Chinesa (estudado principalmente com professores da Europa, Brasil e China), tenho Mestrado em Medicina e Saúde Humana (Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública EBMSP), cursei Biologia (Universidade Federal da Bahia UFBA), me tornei Engenheiro (Universidade Católica do Salvador UCSal) e Fisioterapeuta (EBMSP) com Pós-graduação em Fisiologia (Universidade Gama Filho UGF), Especialização em Fitoterapia (UFBA), Especialização em Acupuntura e Eletroacupuntura, e Professor Universitário da graduação e mais tarde de pós-graduação desde 2001. Escrevo artigos científicos e não científicos na busca de colaborar com o entendimento e construção de novos paradigmas para a Medicina e a saúde humana também construo parcerias entre Universidade que presto serviços e Universidades chinesas. 
Com a percepção que poucos se interessam realmente em desenvolver as artes marciais com profundidade e o tempo relativamente mais escasso tenho dedicado o tempo ao meu treino e estudo desenvolvendo como ensino da arte somente o seu Qigong médico e pouquíssimos alunos de internos.


2-O senhor possui uma genealogia invejável e uma carreira brilhante dentro dos estilos internos chineses, especialmente no Brasil. Como o senhor vê a difusão e o ensino destes estilos em nosso país?

O Kung fu sempre fascinou muita gente em todo o mundo. Os estilos internos são uma paixão mais recente para muitos praticantes. Os estilos chamados de externos como ,por exemplo, o Shaolin, Hungar, Choy li fut e Wing Chun se tornaram famosos pelos filmes no cinema de Hong Kong que chegaram no ocidente com astros como Bruce Lee e depois com Jet Li, Yuan Biao, Sammo Hung, Jackie Chan, Donnie Yen, Michele Yeoh, Alexander Fu Sheng, dentre outros. Enquanto os estilos internos chegaram no Brasil nos anos 1970 voltados totalmente para os aspectos medicinais para o grande público com o Tai Ji Quan (Tai chi chuan) que até hoje ostenta esta característica errônea de prática somente para saúde e não uma arte marcial. O Taiji quan tem uma característica “San Xing” (3 estrelas); arte marcial, aspectos filosóficos e saúde. Os três aspectos juntos representam a arte do Taiji quan, não separados. O treino de Qigong impregnado no Taiji quan é que gera o aspecto medicinal, mas o Taiji quan é uma arte marcial que bem praticada gera boa saúde. O Qigong tem aspectos medicinais importantíssimos. Praticar Taiji quan como um Qigong não é um bom Qigong e, além disto, é um Taiji quan ruim. Conceitos inadequados como este levaram a um desenvolvimento equivocado no Brasil nas artes marciais internas, sendo o Taiji quan o primeiro e para alguns o único interno até hoje. As entidades que representam tais modalidades no Brasil, em outros países ocidentais não são diferentes, ainda conhecem muito pouco sobre as práticas internas das artes marciais chinesas. Temos alguns motivos para isso. Um deles é o fato de que os grandes mestres tradicionais destas artes geralmente não estão filiados a nenhuma destas entidades, na maioria das vezes por não acreditar no trabalho político e educacional desempenhado pela maioria destas. Temos entidades representativas no Brasil do “Kung fu” que se dedicam quase exclusivamente ao chamado wushu olímpico ou moderno descaracterizando totalmente as artes tradicionais em nosso país onde os grandes mestres dos estilos tradicionais estão se afastando cada vez mais e hoje tais mestres praticamente mantêm somente uma ligação política muito distante, mas sem nada influenciar o que acontece nos bastidores destes eventos. Muitos representantes destas entidades fazem um excelente trabalho em Wushu olímpico ou moderno mas, principalmente no que tange aos estilos internos tradicionais, quase nada e alguns nada conhecem ridicularizando estas artes quando tentam falar a respeito ou demonstrá-las sem nenhuma maestria. Há raríssimas exceções. O Wushu moderno é uma arte acrobática na maioria das vezes totalmente irreal para uma arte marcial. É bonito de ver mas sem efetividade marcial e muito pouca preocupação com a tradição do Kungfu Wushu tradicional e também muito lesivo para o corpo sendo que a maior parte dos atletas estão lesionados aos 25 anos. O Taiji quan moderno o que mais vale é sustentar a perna parada na altura da cabeça ou posições absurdas de entrelace das pernas ou lesivas para as articulações do que o controle do Qi e do movimento real preconizada pelos grandes mestres limitando esta arte aos jovens atletas que geralmente nunca aprenderam taiji quan “de verdade”. É um Ballet, bonito, mas vazio de essência para a maioria dos atletas. Há raríssimas exceções. As outras entidades no Brasil que valorizam os estilos tradicionais no Brasil contam ainda com pouco ou nenhum apoio político dentro dos governos, como bolsa atleta e outros incentivos, contando com apoio de professores brasileiros e mestres estrangeiros, principalmente chineses, para fortalecer seus eventos. Na maioria das vezes têm muito mais filiados que as primeiras sendo um dos motivos o estímulo para o tradicional e outro a facilidade de se cadastrar sem a exigência extrema de se comprovar suas linhagens. Com isto também há várias escolas com nível muito bom e outras sofríveis. Entidades que se dedicam ao Wushu moderno têm força política nas estruturas do governo como recebimento de bolsa atleta pelos atletas, ditas oficiais, não conhecem mais com profundidade os estilos tradicionais por falta de mestres competentes a frente dos trabalhos e as outras entidades, mesmo que com numerosos filiados e alguns mestres competentes, em sua maioria são estrangeiros, não gozam dos benefícios políticos do governo suficientes para dar a estas artes a projeção adequada. Em suma, estamos em grande crise do desenvolvimento dos estilos tradicionais chineses no Brasil. Aqueles que queiram praticar de forma profunda devem encontrar associações com mestres de boa linhagem e conhecimentos para direcionar seu caminho de desenvolvimento dentro de arte tão nobre. Poderá se aproximar também de workshops promovidos pelos mestres de boa linhagem e tentar mostrar grande interesse de ser aceito como aluno regular. Os mestres tradicionais valorizam o empenho, o foco, a boa atitude, o respeito e dedicação para com sua arte. A competência de um mestre não deve ser medida simplesmente pelo fato dele ser chinês ou não ser como muitos ocidentais, equivocadamente, ainda fazem sendo enganados por professores medíocres. É a mesma coisa de encontrar brasileiros na China e achar que todos eles são mestres de capoeira e Jiu jitsu brasileiro ou grandes jogadores de futebol. Encontrar um bom mestre é estar atento as suas habilidades em demonstrar a eficácia de sua arte, boa capacidade didática, outros conhecimentos afins de formação acadêmica geral, bom trabalho para a divulgação de sua arte, domínio teórico e prático da arte, boa linhagem de estudos e cultura geral.  
                                                                                             
3- O senhor foi discípulo do Mestre Zhang Xiu Lin, que sucedeu ninguém menos do que Sha Guo Zheng, uma lenda das artes marciais chinesas. Fale-nos sobre este grande Mestre.            

O mestre Zhang Xiulin, hoje com 86 anos, nasceu na China em 1927, filho do mestre Zhang Shen Wen perito no estilo Tan Tui e outros de origem shaolin que o ensinou desde a infância a partir de 1936. Além da brilhante carreira nas artes marciais se tornou um brilhante engenheiro, hoje engenheiro sênior na cidade de Jiu Jiang, além de profundo conhecedor da filosofia e história das artes marciais chinesas. Amigo e irmão de treino do mestre Kang Gewu  (também discípulo de Sha Guozheng e doutor em História sendo vice-presidente da Associação de Ba Gua zhang de Beijing) onde são representantes de uma classe de grandes intelectuais.  Seu pai, Zhang Shen Wen, deixou seu amigo, o mestre Sha Guo Zheng, como seu educador e mestre. Com Sha Guozheng, a partir de 1946, Zhang Xiulin iniciou seus estudos do Xing Yi quan, Ba Gua zhang, Qigong e Dong bei quan. Em 1947 iniciou o estudo e prática dos estilos de Taiji quan, Yang e Sun. Foi iniciado também na profunda teoria e filosofia que é pertinente a tais conhecimentos. O mestre Sha Guozheng também era profundo conhecedor da utilização de ervas chinesas e mobilizações terapêuticas no corpo que aprendera com seus mestres, Jiang Rongqiao, Wang Che Cheng e outros, o que também passou adiante para o mestre Zhang. Em 1950 Zhang Xiulin iniciou os estudos do estilo Chen de Taiji quan com o mestre Chen Fa Ke e após sua morte em 1957 continuou seus estudos de Chen Taiji com o mestre Hu Li Wu, que foi um famoso médico, primo e discípulo de Chen Fa Ke. Em 1963 aprofundou-se no estilo Sun com a mestra Sun Jian Yun, filha de Sun Lutang criador do estilo. Em 1973, em Beijing, iniciou o estudo do Ba Gua Zhang da linhagem de Liang Zheng Pu (discípulo direto de Dong Haichuan criador do Bagua zhang na segunda metade do século XIX), com o mestre Li Zi Ming, discípulo do mestre Liang Zheng Pu e amigo de Sha Guo Zheng. O mestre Sha Guozheng foi discípulo de Jian Rongqiao, que foi discípulo de Zhang Zhaodong, perito em Xing Yi quan e Ba guazhang, discípulo direto de Dong Haichuan. Com a linhagem do mestre Sun Luntang, que foi discípulo de Cheng Tinghua que por sua vez foi discípulo direto de Dong Haichuan, Zhang Xiulin estudou o estilo Cheng de Bagua zhang. Também o mestre Zhang Xiulin  estudou profundamente o conhecimento do Tui Shou do Tai ji quan e outros conhecimentos com o famoso mestre Wu Tu Nan. Hoje o mestre Zhang Xiulin é vice presidente do centro do método de treinamento e pesquisa da arte de Sha Guozheng, sendo o presidente o mestre Sha Junjie, perito nas artes internas e filho do mestre Sha. O mestre Sha Guozheng (1904-1992) era profundo conhecedor da arte de cura aprendida de seus diversos mestres. Curou muitas pessoas e nunca cobrou nada por isso. Em 1983 doou todas as suas fórmulas medicinais para o governo para benefício de todos.


4- O que os seus Mestres consideram mais importante no aprendizado das artes marciais chinesas?

Além de encontrar um bom mestre e ser um bom discípulo deve encontrar uma arte que seja compatível com suas necessidades ou afinidades com o potencial do seu corpo/mente e capacidades para que não haja frustração demasiada no processo de desenvolvimento da arte.

5- Existe certa polêmica sobre a divisão do kung fu chinês em “estilos internos” e “estilos externos”, apesar dessa separação didática ter sido criada por Mestres do gabarito de Sun Lutang. Muitos praticantes consideram uma tolice essa divisão, pois para eles o Qi não existe. O que o senhor diria a este respeito?

Mestres como Sun Lutang, Sha Guozheng, Jiang Rongqiao dentre outros são grandes estudiosos além de exímios praticantes. Normalmente a maioria dos mestres se dedica muito a prática e pouco aos estudos ou vice-versa. Estes não. Alguém precisa estudar pesquisar, comparar, intuir, pensar e classificar especialmente aqueles que têm grande bagagem e perícia para unir o estudo e a prática profundamente. É o caso destes grandes mestres. Desde livros conjecturados há 4000 A.C. que o conceito do Qi aparece na cultura chinesa e impregna os conceitos religiosos, do pensamento, da medicina e por último nos últimos 1500 anos, a partir de Da Mo, às artes marciais. O mero treinamento de ossos, músculos com aumento da resistência física foi acrescido de conceitos importantes de eficácia física e mental com a prática do domínio do Qi nas artes marciais. Então o Qi não é somente um conceito ligado à arte marcial mas sim a muitos aspectos da cultura chinesa, por isso aqueles que ignoram este conceito apresentam artes mais grosseiras onde se experimenta o trabalho bruto do desenvolvimento de músculos, ossos e tendões e pouco entende sobre a utilização e percepção desta arte. Os estilos chamados de externos (Wai Jia) são assim chamados pelas suas características de nutrir o interior a partir da força e dinâmica exterior. A origem da força está fora mesmo que trabalhem a intenção e vontade interna. Enquanto que os estilos internos (Nei Jia) nutrem o exterior a partir de forças desenvolvidas no interior. A origem da força é interna e o Qi é o principal fenômeno envolvido neste processo. Isto não quer dizer que nos estilos externos não haja Qi mas este é considerado como dinâmica de músculos, tendões com contração durante grande parte do tempo.
Os estilos internos têm sua grande fonte nutridora nos conhecimentos originados no templo de Wudang, próximo a cidade de Shiyan, e os estilos externos têm sua referência maior o templo de Shaolin, próximo a Dengfen nas montanhas Centrais da China (Zhong Shan). A China promoveu em 2004 e 2006 campeonatos mundiais de estilos tradicionais (internos e externos) em Dengfen com visita ao templo de shaolin e em 2008 e 2010 em Shiyan também com visita de aprofundamento do conhecimento ao templo de Wudang. Participei dos eventos trazendo medalhas para o Brasil e honrando meus mestres nos estilos tradicionais internos.

6- Dentro das artes marciais chinesas, que estilos podem ser considerados “internos”?

Taiji quan, Xingyi quan, Bagua zhang, Dongbei quan, Pi kua quan, Yi quan, Liu he ba fa. 

7- Qual a ligação entre artes marciais chinesas e o qigong?

Há 04 grandes escolas de Qigong de onde se originou todo o conhecimento atual. Apesar de o Qigong ter bases estruturais de cerca de 3.500 anos, somente foi estruturado as duas primeiras escolas,  a escola dos Religiosos e a dos Eruditos. A primeira, usada pelos budistas e taoístas, baseada na proposta de elevar a energia espiritual para níveis de evolução, a segunda, dos Eruditos, prestava-se à meditação para o desenvolvimento das capacidades intelectuais do pensamento e da virtude moral. Seguiu a escola dos Médicos, quando foram implementados exercícios físicos além da meditação para fortalecer os mecanismos de defesa orgânica restabelecendo e/ou mantendo a homeostase, Tu Gu Na Xin (Expelir o velho e assimilar o novo). O Qigong marcial nasce a partir da junção de vários argumentos das outras escolas, mas com o foco principal em fortalecer ossos, tendões e músculos. Teve grande influência dos exercícios de Bodhidharma (Da mo) no templo de Shaolin (530 D.C) chamados de Yi Jin Jing (Fortalecimento de músculos e tendões) e Si Sui Jing (Lavagem das medulas). Tanto nas artes marciais chinesas chamadas de Internas (Nei Dan) e externas (Wai Dan) o qigong está presente ou pelo menos deveria. Nei Dan significa Elixir interno e está relacionado com o desenvolvimento das energias internas para nutrir o todo, enquanto o Wai Dan, Elixir externo, é o desenvolvimento do exterior para nutrir o todo. Muitos pensam que o que determina uma arte ser interna é sua suavidade simplesmente, e daí alguns pensam que o Xing Yiquan tem características externas. Não é assim que se classifica a arte. O que determina é o desenvolvimento da origem da nutrição da Energia, Qi. Nas artes internas o desenvolvimento se dá a partir dos centros de força intrínsecos como os 3 Dan tian comandado pelo desenvolvimento da quietude para alcançar o domínio sobre o Qi. Nas artes externas o domínio se dá pelo desenvolvimento das estruturas externas como ossos, tendões e músculos. Com o movimento dos membros esta energia nutre todo o corpo. O comando mais sutil também só poderá se constituir a partir da quietude. A quietude (Xin Jing) se dá a partir do domínio sobre a mente emocional, Xin, e a nutrição da mente sábia, Yi.  A mente Xin é inquieta como um macaco (Yuan) enquanto a mente Yi é ritmada e organizada como o trote de um cavalo (Ma), daí a expressão; Xin Yuan Yi Ma.
O desenvolvimento da intenção, Yi nian, faz parte das características do qigong. Controlar a mente inquieta, Xin, cheia de desejos, mas sim, focar na intenção, Yi, correta. Treinar qigong não é somente fazer exercícios de meditação ou movimentos suaves para controle do Qi, mas principalmente é o desenvolvimento do Yi nian, do fluxo do Qi nutrindo músculos e tendões para o desenvolvimento principalmente nas artes externas, e da nutrição dos centros de energia, Dan Tian, principalmente nas artes internas.             

8) Qual a importância do treino com armas nos estilos internos chineses

Antigamente o objetivo principal do uso do treino com armas era capacitar o praticante a usá-la em guerra ou para se defender. Hoje mais não. Depois que o praticante chega a um nível intermediário do entendimento e domínio da estrutura da arte marcial interna que estuda, então seu mestre lhe oferece o treino com armas como por exemplo o uso principalmente do facão ou sabre (Dan Dao), espada (Jian), bastão (Gun), lança (Jiang), espada e facão duplos (Shuang Jian e Shuang dao), arma de Guang (Guangdao) em alguns estilos como o Chen Taiji, e mais recentemente, e menos clássico, o uso do leque (Shanzi).
O objetivo principal neste treinamento com armas é condicionar, em diversos estímulos diferentes, o domínio sobre o Qi. Cada tipo de arma exigirá do praticante diferente força, equilíbrio, foco, coordenação, suavidade, velocidade fazendo com que faça seu Qi fluir além do seu corpo, no caso, fluindo e interagindo a arma como extensão de seu próprio corpo, mente e espírito. Com isto, depois do treino com armas, mudará toda a percepção quando se pratica sem as armas ampliando as possibilidades no domínio do fluxo, armazenamento e controle do Qi.

9)O que é “Fa Jing”?

Fa Jing (ou Fa Jin) é a energia interna Qi (Lê-se Chi) bem elaborada pelos centros Dantian (Campo do Elixir ou Cinábrio) sendo expressa pelos músculos e tendões (Li) através de contrações destes com condução da atitude mental. O Fa Jing é o resultado de Qi mais Li daí nascendo a expressão “Só Qi é muito, só Li é pouco”. A maior parte dos praticantes usam o Fa Jing de forma inadequada pois o fazem basicamente utilizando o Li que é a força muscular. Para expressar o Fa Jing é necessária a instrução cuidadosa de um mestre de artes internas quando será ensinado o desenvolvimento do Qi nutrido e armazenado nos centros de energias,desenvolvimento da intenção (Yi Nian), liberação e nutrição do Qi para músculos e tendões, postura e respiração corretas para a expressão do Fa Jing e a preparação adequada das articulações, músculos e tendões. A utilização externa da contração muscular mesmo utilizando um bom Yi Nian não significa que está se aplicando o Fa Jing. É o que acontece com a maioria dos praticantes mesmo das artes internas e ainda em maior número das artes externas. Não significa que aplicando desta forma não surta efeito de machucar o adversário mas com certeza estes machucados serão mais externos enquanto um bom Fa Jing é menos dolorido externamente e o estrago interno, quando aplicado com esta intenção, poderá levar o adversário à morte.
Há estilos diferentes que utilizam o Jing também de forma diferente caracterizando-os por isso. Os estilos duros (Ying Shi) mantêm os músculos e tendões tensos durante a preparação do golpe assim como durante o próprio golpe visando proteger as articulações das lesões provocadas pelo impacto e força do golpe. Com isto as lesões causadas por estes impactos no adversário são demasiadamente externos. Tem-se exemplos estilos como os de garra de tigre Hung Gar, Hu Zhao. Há outra modalidade no uso do Jing que são os estilos duros-suaves (Ruan Ying Shi) que permanecem totalmente relaxados na preparação do golpe mas há contração no momento exato do golpe também visando proteção de articulações, tendões e ligamentos. São exemplos destes os estilos da serpente (She Quan), Garça Branca (Bai He Quan), Ba Gua Zhang e Xing Yi Quan. Nestes casos há lesões no adversário internas e externas a depender do domínio e intenção do praticante. Por último há aqueles estilos que usam o Jing como estilo suave (Ruan Shi) se caracteriza por estar relaxado na preparação e durante o golpe.  No golpe, antes de atingir a máxima extensão das articulações, como exemplo cotovelo e ombro para golpe de braço, recolhe o membro como se fosse um chicote (Bian Shi). Esta intenção do recolhimento faz com que haja contração músculo/tendão protegendo as articulações. Este tipo de movimento gera uma força dupla 2F em dois vetores que se somam. Uma força F do movimento direto e outro vetor de força F proveniente do movimento de recolhimento no instante final (Bian Shi). Com isto quando o praticante domina a técnica gera a partir de simples e relaxados movimentos forças espantosas com danos internos importantes. Estilos como o Taiji quan (Tai Chi Chuan) são representantes desta prática.
O relaxamento nos estilos suaves e nos duros-suaves visa recolher a força do Dan Tian e expressá-la na zona de impacto tendo os músculos e tendões como condutores. Os estilos suaves (Taiji quan e Liu He Ba Fa) e alguns estilos duros-suaves (Xing Yi quan, Dong bei quan e Ba gua zhang) são considerados estilos “internos” enquanto os estilos duros são considerados “externos”.

10) Alguns estilos, como o Xingyi Quan e o Yi Quan, enfatizam a meditação em pé Zhan Zhuang (conhecido como “Postura da Árvore”). Qual a importância desse exercício em especial?

Apesar de ter se popularizado como “postura da árvore” Zhan Zhuang significa “em pé como uma estaca” e contém dezenas de diferentes posturas estáticas. O Zhan Zhuang é um exercício antigo de controle e domínio do Qi quanto a seu desbloqueio, captação, circulação e armazenamento que são as 4 fases essenciais do domínio do Qi (Qigong). Ao contrário do que muitos desconhecedores das artes internas pregam o Zhan Zhuang é exercício fundamental para a prática e desenvolvimento das artes internas. É uma prática física, energética e meditativa. O dito chinês antigo reflete que “Para um homem comum viver é estar em movimento, para um verdadeiro mestre das artes internas para atingir a imortalidade é preciso parar”. Ser imortal não é não morrer nunca mas sim, se realinhar e estar conectado com as forças eternas (Yong) do Universo onde o Qi correto Zheng Qi é sua grande expressão. O Ideograma antigo de Qi é a junção de duas partes, em uma significa não e a outra significa fogo. Se a Energia está correta está sem fogo, pois o excesso ou a deficiência podem gerar estagnações ou estímulos inadequados que gerará como resultado calor.
Nas práticas internas chinesas é fundamental encontrar o movimento dentro da estaticidade e a estaticidade dentro do movimento. A estaticidade dentro do movimento é a percepção do eixo. O centro de massa do corpo deve coincidir com o Dantian inferior pouco abaixo do umbigo para que o movimento ou forma parada tenha a nutrição adequada deste centro de energia. Por isso a postura é a parte mais importante inicialmente na prática, pois a partir da postura se alinham as forças necessárias para o desenvolvimento correto, daí se segue o desenvolvimento da respiração e da atitude mental corretas. Como tive a oportunidade de ouvir de Chen Xiaowang e Zhang Xiulin, grandes mestres, “se você erra a respiração, mas acerta a postura é apenas um erro, no entanto se você erra a postura e acerta a respiração são dois erros já que não há respiração correta numa postura errada”. Com isso o praticante deve passar os primeiros anos treinando até que atinja a postura correta e o treinamento do Zhan Zhuang se faz totalmente fundamental no desenvolvimento das artes internas. Encontrar o movimento dentro da estaticidade, como no Zhang Zhuang, é perceber o fluxo contínuo do Qi (Yun Qi) enquanto se alinham as forças que são: Postura correta, respiração adequada e atitude mental condizente ao nível do trabalho. Deve acontecer na prática as 3 uniões internas e 3 uniões externas. A meditação nas 3 uniões externas são Punho/Tornozelo; Cotovelo/joelho e Ombro/Quadril. As 3  uniões internas são Espírito/Pensamento; Pensamento/Vontade e Vontade/Força. Assim nutridos pelo alinhamento da atitude mental, a postura e a respiração.

11)Sun Lutang foi enviado para um mosteiro taoísta por seu mestre para estudar I Ching e assim aperfeiçoar seus conhecimentos de Baguazhang. Onde está a importância do estudo filosófico para o aperfeiçoamento nas artes marciais?

Cheng Ting Hua foi mestre de Sun Lutang. Cheng foi o segundo aluno mais antigo de Dong Hai Chuan, criador do estilo interno Ba Guazhang. O mais antigo aluno foi Yin Fu seguindo diversos outros alunos famosos como Ma Wei Chi, Zhang Zhaodong, Liang Zheng Pu e muitos outros. Esta geração tinha uma perícia fenomenal mas precisavam urgentemente entender sua própria arte profundamente para que ganhasse estrutura e forma para sobreviver sendo passada ao longo do tempo. Dong Haichuan ensinou a alunos que eram peritos em alguma arte com bom nível de profundidade sendo que ensinava o Ba guazhang a partir da arte de domínio de cada um. Se não houvesse nada que amarrasse este conhecimento seria provável que este viesse a se perder ou mesmo criar vários estilos diferentes sem raiz. No entanto todas estas artes ensinadas de forma diferente para cada discípulo tina um mesmo princípio e raiz que é a filosofia do Ba gua englobada em livros antigos como o Yi Jing e outros livros taoistas do templo de Wudang. Como Sun Lutang era um estudioso muito inteligente foi incumbido de se aprofundar nesta estrutura filosófica e foi ao templo de Wudang por alguns anos para sua pesquisa que se tornaria o alicerce da arte do Ba guazhang.
Toda arte tem seu paradigma e os paradigmas nascem nutridos em grande parte pela filosofia. Como desempenhar uma arte plenamente se não conhece o seu fundamento de ação, pensamento e estrutura? Como diferenciá-la das outras artes e como ensiná-la profundamente.

12)Existe alguma ordem didática para se aprender os estilos internos?

Não há ordem didática pré-estabelecida, no entanto seguindo o estudo filosófico que se faz normalmente estudando a teoria da criação do Universo a partir do entendimento das teorias do Taiji Tu (Figura do Taiji), Bagua (oito trigramas) e do Wu Xing (cinco movimentos ou elementos) segundo muitos mestres é razoável se pensar em desenvolver o Taiji quan inicialmente, seguido do Bagua Zhang e Xing Yi quan, mas o mestre Sun Lutang fez o inverso e foi um grande mestre.     

13) O que o senhor nos falaria sobre o Tai Chi Chuan enquanto arte marcial de combate?

Nem precisaríamos separar esta pergunta se o Taiji quan (Tai Chi Chuan) fosse praticada de forma correta. O Taiji quan é uma arte marcial e como tal deve ser assim praticada. Como já expliquei é uma arte de domínio do Qi suave para o Fa jing. Estilo suave (Ruan Shi) com todas as especificações já comentadas. É uma poderosa arte marcial se for dominado o seu Fa Jing. Numa completa e eficiente arte marcial, o praticante deve desenvolver velocidade (Kuaiman), força (Liliang) e estratégia (Zhanlue). Se há velocidade pontos importantes podem ser atingidos, mas se não há força poderá não ser efetivo o ataque. Para fazer com que a velocidade e a força sejam efetivas num combate é importante desenvolver a estratégia correta. O Taiji quan é uma arte marcial completa e muito eficiente, mas se faz necessário um verdadeiro mestre da arte para levar o discípulo a desenvolvê-la como tal. Caso contrário se tornará uma dança e não uma arte marcial. Apesar de todos verem sua lentidão nas práticas de suas formas (Taolu), mas isso é para refinar o movimento, acalmar a mente/coração, e controlar o Qi. Com isto o Fa Jing é desenvolvido dentro de uma determinada estratégia de efetividade.

14)Existem diferenças conceituais importantes entre os três estilos internos mais conhecidos (Taijiquan, Xingyi Quan e Baguazhang). Quais seriam as principais?

Apesar de todas estas artes serem consideradas internas, no entanto possuem suas particularidades inclusive na concepção de seu Fa Jing como já discuti anteriormente.
Para que se possa tornar um bom praticante das artes internas é necessário conhecer a história de sua arte e daquelas “irmãs”, pois se o praticante não conhece bem o passado se perderá no presente e dificilmente poderá almejar um futuro brilhante dentro de sua arte. Também é fundamental conhecer os princípios e a teoria, pois uma arte completa é estruturada pelos seus princípios e de toda uma teoria clássica ou moderna que suporta seu desenvolvimento. Sem este conhecimento é impossível desenvolver uma arte marcial em níveis profundos. É necessário saber o que se faz profundamente. Muitos praticantes de Taiji quan nem sabem que existem outros estilos de Taiji quan que não aquele que pratica nem ao menos seus fundamentos. E outro tanto nem sabe o estilo que pratica. Isto é um absurdo para o desenvolvimento da arte. É importante conhecer o que faz os mestres da arte sendo da sua escola ou não. O que é bom é para ser observado e aprendido inclusive para fortalecer e diferenciar a sua arte daquelas outras. É importante conhecer os seus princípios e também aqueles que não são princípios da sua prática para conhecer todo um universo de práticas semelhantes e fortalecer a sua, discernindo o que é daquilo que não é então, podendo comparar e diferenciar.
Estas artes são combinações de princípios gerais das técnicas chinesas: Técnicas de derrubar o inimigo (Shuai Jiao), lutar livremente ou imobilizar as articulações (Chin Na), golpes buscando as cavidades (Dian Xue), golpear com punhos e pés (Ti Yi Da). Um exemplo comum é imobilizar articulações seguido de derrubar o adversário e atacar pontos específicos, sendo Chin na, Shuai jiao e Dian xué aplicados em sequência.

**No TAIJI QUAN meus mestres dizem que “no mais alto nível se atinge a simplicidade, mas a simplicidade é o mais difícil, isto é trabalho de uma vida”.
Dizem que se você pratica por trinta anos ou três meses será que é capaz de incorporar efetivamente “os oito trigramas nos braços e os cinco elementos sob seus pés”? Caso contrário ainda falta muito para a maestria.
No Taiji quan há principalmente cinco estilos tradicionais, a saber: Chen, Yang, Wu, Sun e Hao. Apesar das diferenças técnicas há princípios únicos entre estes.
Para o entendimento dos oito trigramas na mão é necessário praticar o “envolver o fio de seda” (Chan si jin). Se quiser entender o Chan si jin deve entender a figura do Taiji (os dois peixes se entrelaçando). A prática se desenvolve em três estágios:
1) Você deve mover as mãos dependentes de seu corpo. O movimento das mãos depende do movimento do corpo, do eixo e do centro. O movimento dos braços é em torno do centro como a Terra gira em torno do sol. Durante a execução do movimento prestar atenção em cada mão para a relação entre a palma (Yin) e o dorso (Yang). Quando a palma está voltada para cima a mão apresenta o trigrama Kun (Terra) e quando a palma está para baixo a mão mostra o trigrama Qian (Céu). Durante todo o movimento as mãos mostram os oito trigramas quando passam pelo círculo do Bagua do céu anterior (Xian Tian Ba Gua) semelhante ao ciclo mensal lunar saindo de nova para cheia e retornando.
2) Todas as partes do corpo devem mostrar revoluções como a Terra girando em torno de seu próprio eixo acrescentando ao movimento de sua órbita como no tópico anterior. Isto resultará um movimento em espiral. O Chan si jin, a partir de agora, será executado com ambas as mãos. Nesse movimento deverá se complementar e enquanto a mão direita mostrar o trigrama Tui (Lago) a esquerda mostrará Ken (Montanha). Uma das mãos estará crescendo para o Yin e a outra para o Yang. O máximo Yang (representado pelo céu Qian) o Qi se expressa na palma. O máximo Yin (representado pela terra Kun) o Qi penetra no Dantian inferior. Nas fases intermediárias o Yin crescendo dentro do Yang (representado pelo lago Tui) o Qi penetra na cintura e quando o Yang crescendo dentro do Yin (representado pela montanha Ken) o Qi penetra nas costas. O ciclo se equilibra Dantian/Palma e Cintura/Costas. Enquanto na esquerda o Qi está na Palma ou nas Costas na direita o Qi está no Dantian ou na cintura respectivamente. E vice-versa.
3) Durante as formas individuais deve-se visualizar e dominar os recursos para poder trocar esta energia com um parceiro.
Em suma durante o Taiji quan o movimento acontece a partir do centro e não há movimento dos braços sem que este seja induzido pelo centro. O movimento acontece em espiral continua onde há equilíbrio dinâmico entre os oito portões (Ba Men), alto e baixo; direita e esquerda; interior e exterior; frente e costas. Os aspectos Yin equilibram os aspectos Yang e vice-versa. O centro de massa do corpo deve coincidir com o Dantian inferior. Para isto a postura deverá ser correta. No erro de postura o Dantian não coincide com o centro de massa do corpo gerando falta de nutrição do centro em relação à extremidade ferindo o princípio Nei Dan (Elixir interno).
Quanto a postura no Taiji quan há princípios universais como o topo da cabeça voltado para o céu, o peito naturalmente recolhido e as costas naturalmente abertas facilitando o fluxo do Qi pelos canais Du mai e Ren mai, reconhecer e diferenciar palma cheia e palma vazia (Bao zhang e Xu zhang) assim como base cheia e base vazia (Bao bu e Xu bu), o movimento é contínuo sem começo e sem fim como no Taiji tu, a cintura livre com movimento consciente controlando o fluxo do Qi e movimentos articulares relaxados.

**Quanto ao BA GUA ZHANG é uma nobre arte além de muito efetiva em combate é uma das mais belas artes gerando saúde com movimentos agradáveis e vivos tornando uma prática possível de ser praticada por homens, mulheres, jovens e idosos sendo extremamente benéfica para todos. Penso que por suas características poderá ser tão popular ou ainda mais que o Taiji quan em algum tempo. O Bagua zhang (Palmas do Ba Gua) foi criado pelo grande mestre Dong Haichuan no século XIX a partir de técnicas de lutas taoista e a arte milenar de “andar em círculo”. Teve uma geração de discípulos com extrema maestria como Yin Fu, Cheng Tinghua, Liu Dekuan, Ma Weiqi, Zhang Zhaodong, Shi Jidong, Liang Zhenpu, Liu Fengchun, Song Shirong dentre outros. Dong Haichuan somente ensinava a quem já era perito em alguma arte marcial e ensinou um Bagua zhang com mesmos princípios mas diferente a cada discípulo gerando hoje os diferentes estilos. Dentre seus discípulos Yin Fu dominava o estilo “Luo Han”, Cheng Tinghua dominava “Luta chinesa”, Liu Dekuan era perito em “Shaolin quan e Lança”, Zhang Zhaodong em “Shaolin quan e Xingyi quan”, Shi Jidong em “Tan Tui”, etc. Mas foram os mestres da segunda e terceira geração discípulos destes anteriores que uniram o conhecimento profundo da filosofia do Ba Gua e dos 64 Hexagramas contidas no Yi Jing e outros livros taoistas tornando-a uma arte rebuscada tanto fisicamente quanto intelectualmente. Agradecemos a isto mestres de extrema habilidade marcial mas também de grande perspicácia e inteligência como Sun Luntang, Jian Rongqiao, Sha Guozheng, Li Ziming dentre outros.
Há diversos estilos de Bagua zhang sendo que em 1984 houve uma reunião em Beijing pelo estímulo do governo chinês com demonstração de grandes mestres e discípulos de dezenas de ramificações do Bagua zhang e inaugurando o museu Dong Haichuan. A partir daí houve um grande impulso ao desenvolvimento do Bagua zhang. A pesar de diversos estilos há princípios fundamentais que unem todos fazendo dela uma verdadeira arte. O andar em círculo com 8 transformações baseadas nos 8 trigramas do Ba Gua desenvolvendo as técnicas fundamentais do estilo conhecido e armazenado no Lao Ba Zhang “oito palmas velhas”, seguido da construção das 64 palmas que tem os 64 hexagramas do Yi Jing como estrutura do pensamento e desenvolvimento são técnicas que unem a grande maioria dos estilos. Hoje já existe em algumas escolas mais de 30 gerações e como sempre vale a máxima que quanto mais perto da fonte mais limpa é a água.
De uma forma geral há 13 posições de palmas “zhang” mais utilizadas são Yang zhang, Tiao zhang, Shu zhang, Pao zhang, Pi zhang, Liao zhang, Fu zhang, Zhuang zhang, Chuan zhang, Ya zhang, Tui zhang, Qei zhang e Tuo zhang. Assim como 9 posições de bases “bu” mais utilizadas são Kou bu, Bai bu, Ma bu, Gong bu, She Liu bu, Xu bu, Tin bu, Pu bu e Ao bu.
As caminhadas do Bagua zhang são bem características e em sua grande maioria em círculos. Isto promove junto a movimentos de braços e pernas bem organizados e coordenados uma arte marcial muito eficaz e uma arte extremamente benéfica para saúde. As mãos e pés como micro-sistemas representativos de terminações nervosas que impactam os órgão e tecidos do corpo assim como também os grandes meridianos de energia do corpo como aqueles dos 6 níveis como Tai Yang, Shao Yang, Yang Ming, Tai Yin, Jue Yin e Shao Yin são estimulados e reorganizados para que todo o corpo restitua ou mantenha sua plena capacidade antipatogênica, no  caso o Qi correto “Zheng Qi”.        
As forças “Jing” do Bagua zhang. No caso seu Fa Jing:
1)      Zong Heng Jing – a força reta e a força lateral. Integram-se dois tipos de trajetórias sendo a Zong – em linha reta para frente ou para trás e Heng – para a direita ou esquerda. Estas diferente forças/direções não devem ser utilizadas de forma isoladas mas sim, unidas.
2)      Ning Jing – a força de torção. Uma parte está fixa enquanto se move em torno para direita ou para a esquerda como em uma torção de uma toalha molhada. Está presente na maior parte dos movimentos do Bagua zhang.
3)      Yuan Hu Jing – a força arredondada. O arredondado presente no Bagua zhang está na forma do movimento e na forma do corpo. De duas maneiras: A primeira maneira é a forma e a posição do corpo como os pés escavados, as costas e escápulas arredondadas, joelhos flexionados, braços arredondados, os quadris bem posicionados sobre as coxas. A segunda maneira é a trajetória do movimento estimulado pela rotação deste, os braços se arredondam girando e movendo-se segundo uma rota arredondada como um movimento de roleta. Isto permite a força de estar contínua e correta.
4)      Zheng Guo Jing – pressionar para fora e comprimir para dentro. É mais uma força dissimulada que não é muito visível no exterior. Esta vem da intenção forte no movimento “Yi Nian”. Num movimento completo não há separação das forças, mas sim estas são utilizadas concomitantemente. Se alguém pressiona deve-se fazer a exata força contrária para anular a força do ataque nem mais nem menos.
5)      Zheng Jing – a força verdadeira. É a base de todas as outras forças anteriores. Se um praticante deseja chegar em alto nível precisa pesquisar esta força. Todo movimento deve conter a força verdadeira. Deve aprender a unir toda a força externa e interna para poder ser dirigida a um único ponto. É possível gerar força impressionante apenas com o movimento de um dedo impactando um ponto no adversário. Quando atingir este nível o praticante atingiu um alto desenvolvimento.
6)      Luo Xuan Jing – a força que gira e penetra. É como perfuração ou torção que se faz durante o movimento. Quando se andar e se movimenta sem esta intenção de girar e penetrar, a força nas técnicas do Bagua zhang não é grande. A união destas forças no movimento somadas à concentração se obtém uma força para o exterior geradas no interior que são penetrantes. Isto gera um vigor capaz de anular a força do oponente.                                        

**O XING YI QUAN “punhos do pensamento e da intenção” tem suas características dentro da filosofia do Yin e Yang, mas principalmente dos 5 movimentos/elementos (Expansão-madeira, Ascenção-fogo, Nutrição-terra, Retração-metal, Descendência-água). Conta-se que este estilo teve origem com o marechal Yue Fei há mil anos aproximadamente. Mas seu grande expoente foi Li Neng Ran nascido na província de Hebei no século XIX, na China. A maioria dos estilos do norte de Xingyi quan praticado em todo o mundo teve origem com este mestre. Os seus dois discípulos dele mais famosos foram Liu Qilan e Guo Yunshen mas também teve outros discípulos famosos como Song Shide, Song Shirong, Li Taihe, Bai Xiyuan, He Yongheng, Li Guangxiang e Che Yichai.
O mestre Guo Yunshen teve como discípulo de Xingyi quan que muito se destacaram: Li Kuiyuan, Wang Xiangzhai (Criador do Yi quan), e Sun Lutang que também estudou com Li Kuiyuan. Já o mestre Liu Qilan teve discípulos muito famosos por suas habilidades como Li Cunyi, Geng Jishan, Wang Fuyuan, Zhang Zhaodong, Liu Dianchen, Zhou Mingtai, Liu Dekuan (que aprendeu também o Bagua zhang e construiu os 64 movimentos em linha do Bagua zhang diferenciando dos outros em círculo). Observem que muitos destes praticantes do Xingyi quan também foram praticantes de Bagua zhang com Dong Hai ou seus discípulos diretos. Relembrando que o mestre Zhang Zhaodong, discípulo de Liu Qilan e Dong Haichuan,  ensinou sua arte do Xing Yiquan e Bagua zhang para Jiang Rongqiao que por sua vez ensinou a Sha Guozheng, sendo o principal mestre de Zhang Xiulin que é meu mestre. Este estilo foi chamado de Xing Yi Ba Gua zhang sendo um daqueles praticado em nossa escola. O estudo/prática do Xingyi quan inicia-se pelo domínio de meditar e fortalecer o espírito em pé chamado San Ti Shi seguido de dominar a caminhada fortalecendo a base e os 5 punhos ligados aos 5 elementos.
No Xingyi quan há método-princípio-xingyi em 3 fases. 1) Energia óbvia (método), Transformar Essência em Qi (princípio), Transformar os ossos (xingyi); 2) Energia escondida (método), Transformar Qi em Espírito (princípio), Transformar os tendões (xingyi); 3) Energia transformada (método), Transformar Espírito em Vazio (pricípio), Transformar as medulas (xingyi).
O San Ti Shi (Prática dos 3 corpos) no xingyi quan se refere a cabeça,mãos e pés. Pode-se dividir o entendimento em 3 partes; Raiz, área média e terminal como da seguinte forma: 1) Cintura (Dan tian), Coluna (Coração) e Cabeça (ponto Bai Hui); 2) Articulação do quadril, Joelhos e Pés; 3) Ombros, Cotovelos e Mãos. Todo praticante de Xingyi quan começa com a postura estática em pé San Ti Shi depois o treinamento das caminhadas com as formas fazendo sempre os passos corretos para a completa evolução. Todas as sequências de movimentos estão fundamentadas no San Ti Shi. Esta postura é o portão do caminho sendo a raiz para desenvolver o Xingyi quan.
Outro trabalho fundamental são os 5 punhos dos elementos (Wu Xing quan): Pi quan (metal), Zuan quan (água), Beng quan (madeira), Pao quan (fogo), Heng quan (terra). Este estudo está baseado nos ciclos de geração (Sheng) e de controle (Ke) para ataque e defesa. Segue a este treinamento a prática dos 12 animais que são fortes, mas pequenas formas de exercícios que serão utilizadas nas grandes formas daí por diante: Dragão, Tigre, Macaco, Cavalo, Crocodilo, Galo, Águia, Urso, Carpa, Serpente, Falcão e Andorinha.
Para atingir alto desempenho e evolução no Xingyi quan deve seguir inicialmente os 8 pontos vitais: O interior deve ser erguido, Os 3 corações devem se unir, As 3 intenções devem seguir uma a outra, Os 5 elementos devem fluir suavemente, As 4 chegadas devem se mover juntos, O coração deve estar tranquilo, Os 3 pontos devem estar em linha, Os olhos devem focar em um único ponto.
O interior deve ser erguido está relacionado com o levantamento dos esfíncteres e a língua elevada no céu da boca assim como o topo da cabeça sempre erguido. O Qi vai para o topo. Já os 3 corações são os pontos Bai hui, Lao gong e Yong quan. Estes 3 pontos são intencionados para o centro do corpo.
As 3 intenções são Qi (energia), Li (força) e Yi (intenção). Os 5 elementos fogo, terra, metal, água e madeira representados externamente no corpo como língua, boca, nariz, orelhas e olhos, internamente coração, baço-pâncreas, pulmão, rins e fígado. As 4 chegadas são: A língua é a chegada da carne, Os dentes são a chegada dos ossos, Os dedos de pés e mãos são chegadas do tecido conectivo e Os poros do corpo são chegadas dos vasos sanguíneos. Os 3 pontos que me referi são o nariz, o dorso da mão e do pé.        
Para contribuir com a perfeição dos 8 pontos vitais temos as 7 chaves do Xingyi quan que são: Afundamento da cintura, O relaxamento dos ombros, Recolhimento do peito, Pressionar, Levantar, Mover obliquamente ou em linha suavemente deve ser bem compreendido, Deve ser claramente separado o Erguer, perfurar e derrubar.
No início da prática do Xingyi quan deve se praticar de forma suave e devagar para relaxar e abrir os tecidos conectivos e ossos a fim de guiar o Qi e como consequência o poder. O praticante saindo do nível de iniciante depois de meses de intensa prática poderá impor mais força correta e velocidade isto o ajudará a desenvolver força interna para a aplicação marcial. Os métodos se alteraram no entendimento da força e velocidade encontrando o refinamento da aplicação do Fa Jing ao longo de cerca de 10 anos de estudos e prática contínua.
Todas estas 3 artes usam principalmente como armas de práticas o Bastão, o Fação (Sabre), a Espada e a Lança.
Espero não ter me alongado muito mas fica claro que há muito mais para se falar destes métodos de artes marciais do Taiji quan, Bagua zhang e Xingyi quan mas estes são alguns princípios iniciais que espero que o público interessado possa refletir e absorver. Para o desenvolvimento adequado se faz necessário a condução de professores e mestres competentes na compreensão profunda dos fundamentos da arte. Isto inclui desde a compreensão da história e filosofia até os fundamentos e princípios da arte marcial e do processo de cura pertinente a estas práticas internas. Uma prática errônea quanto a estrutura e princípios da arte fadará o praticante a não atingir os resultados adequados e frustrar a todos.
 
                                           
15) Quais conselhos daria ao praticante ou àqueles que desejam aprender os estilos internos chineses?

Se quiser desenvolver de verdade procure um professor ou mestre que domine sua filosofia, sua estrutura e sua marcialidade. Que tenha conhecimentos da arte como um todo e seja sustentado por uma boa linhagem. Aquele que foi um bom discípulo terá uma maior chance de ser um grande mestre. Muitas vezes estes conhecedores não estarão filiados a entidades de classe nem a clubes por não acreditar nestes, mas estão geralmente estruturados em Institutos ou Associações para o desenvolvimento do trabalho de divulgação. Apesar de poder encontrar bons professores filiados também. Cuidado também pois muitos “falsos professores” não se filiam a nenhuma organização por não terem nenhum registro de linhagem nem ter tido nenhum mestre responsável como são geralmente exigidos pelas associações, federações e ligas desportivas sérias as comprovações dos estudos e linhagem tradicional para seus filiados. 
De uma forma em geral é difícil no Brasil encontrar bons professores do verdadeiro Taiji quan e mais raro ainda das outras artes internas.
Obrigado pela oportunidade de falar sobre estas nobres artes que sempre busco honrar não somente meus mestres, mas toda a linhagem que construíram e mantiveram a muito custo estas brilhantes relíquias da cultura chinesa que interliga a arte marcial, a filosofia e a medicina.

               Endereço do currículo lattes: http://lattes.cnpq.br/5964326300479556




















domingo, 30 de junho de 2013

Medicina Tradicional Chinesa com seus fundamentos e a necessidade de incluí-la na construção da saúde no mundo atual

Dr. Gutembergue Livramento

*Especialista em Medicina Tradicional Chinesa (China/Brasil/Europa).                                               *Mestre em Medicina e Saúde Humana (Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública EBMSP).                *Diretor/Presidente do IBRAPEQ (Instituto Brasileiro de Ensino e Pesquisa em Qigong e Medicina Chinesa).

Com abundantes fontes de material de ervas terapêuticas chinesas (12.807 tipos) e mais de 100.000 fórmulas patenteadas, há grande espaço de desenvolvimento para novas drogas ou produtos de cuidado com a saúde com potencial aumento de mercado. As drogas naturais representadas pelos produtos médicos chineses têm começado a se tornar popular no mundo. O volume de negócios anuais ultrapassa a 30 bilhões de dólares, dados de 2008. A estimativa é que o mercado dobre nos próximos anos. É também uma nova tendência a substituir drogas químicas de laboratório por drogas naturais, e isto também será um importante valor da MTC no desenvolvimento moderno.

No Brasil a ANVISA já busca as formas mais eficazes para a liberação do comércio da Fitoterapia chinesa. Teremos um movimento contundente da Farmacologia/Fitoterapia chinesa no Brasil e no mundo. É a mesma tendência mundial para a regulamentação da Acupuntura que também está em tramitação em nosso país e estes fatos potencializarão o crescimento da MTC no Brasil e no mundo. Que as Universidades públicas invistam em pesquisa e desenvolvimento assim como no ensino da MTC no Brasil e façam parcerias acadêmicas com efetividade com Universidades chinesas e outras com grande potencial de conhecimento e formação para o adequado aperfeiçoamento profissional. A maioria das parcerias feitas hoje em dia entre instituições chinesas e ocidentais (incluindo brasileiras) apenas beneficiam os cursos de formação com estes “chamados para conhecer a China” mas, não há grande valor de ensino profundo da MTC favorecendo basicamente aos alunos conhecerem superficialmente o berço da MTC. Que possam existir Universidades sérias na formação profissional no Brasil e termine de uma vez por todas a insanidade e vergonha da guerra de controle da MTC pelas entidades de classe de conselhos de saúde. É preciso oferecer ao povo uma MTC de respeito com profissionais muito bem formados. Ainda estamos longe desta formação adequada, pois, com o controle da formação dos profissionais de saúde pelos seus conselhos gerou uma colcha de retalhos do conhecimento da MTC tornando-a frágil. O primeiro passo para reconstruir este conhecimento de forma eficaz é reconhecer que o conhecimento da maioria dos profissionais do Brasil, profissionais de saúde e técnicos, está fragmentada e muito aquém da verdadeira Medicina Chinesa. Creio sinceramente que se deixarmos os interesses financeiros e de reserva de mercado o Brasil será uma das grandes potencias da MTC no mundo, desde que seus profissionais decidam buscar um conhecimento sério e validado em instituições e profissionais que possam realmente oferecê-lo, na atualidade ainda carente no Brasil. Para exercer uma boa Medicina Chinesa é importante saber o conteúdo profundo da Medicina Chinesa como é na China há pelo menos 5.000 anos. 

Se houver formação adequada por Universidades competentes com a regulamentação da profissão no Brasil, como já acontece em vários países do mundo, na América do sul iniciado o processo pelo Chile e Argentina, já não mais importará a formação pregressa deste profissional, fato que ainda hoje é moeda de constrangimento pelos manipuladores separando os profissionais em técnicos, médicos e profissionais de saúde não-médicos.  O Brasil não pode esperar mais sem a regulamentação profissional para entrarmos em outra era de crescimento para a MTC. Para isto todos os profissionais, independente de sua origem acadêmica, precisam se unir para construir este processo sem preconceitos, pois no final o mais importante será a formação do profissional em termos de Medicina Chinesa para atender Medicina Chinesa. Para atender Clínica médica ocidental teremos os médicos ocidentais; para reabilitar função de órgãos, tecidos moles e ossos, cinesioterapia, posturologia, teremos os fisioterapeutas; para avaliar e tratar processos dentários teremos os odontólogos; e assim por diante com todas as 14 categorias de saúde; então para tratar tendo como referência a MTC teremos os profissionais bem formados em Medicina Chinesa. Há espaço profissional para todos e todos são muito importantes desde quando sejam peritos estudiosos em sua área de atuação. Assim como as carreiras de saúde no ocidente o profissional de Medicina Chinesa poderá ser formado do zero de conhecimentos fazendo toda uma formação independendo sua profissão anterior ou se apenas começou a se profissionalizar naquele momento. Claro que os cursos de formação em MTC estarão também ensinando todo conhecimento de Fisiologia médica, anatomia, biofísica, biologia celular, microbiologia, parasitologia, fisiopatologia, parasitologia, histologia, pois estes conhecimentos não são somente ocidentais e sim universais. Não podemos ignorá-los. Assim como um dia os profissionais no ocidente entenderão que os conhecimentos originados das medicinas orientais, indígenas, populares regionais, africanas, incas, maias, também são conhecimentos universais e quebrem o paradigma vigente e comecem absorvê-los, pois construiremos uma medicina realmente integrada objetivando a cura do SER quanto aos seus aspectos espirituais, mentais, físicos, celulares e bioquímicos. Estaremos mais próximos da VERDADEIRA medicina integrada pela necessidade daquele que busca ajuda. A população de todo o mundo se beneficiará. Isto é o que importa no final; Poder gerar saúde e bem estar para TODOS. O conhecimento e atendimento deverá ser multi e transdisciplinar.

Apesar de buscarmos incessantemente a regulamentação profissional da Medicina Chinesa/Acupuntura e a construção e fortalecimento dos PNPICS (programas nacionais de práticas integrativas e complementares) devemos também estar atentos à formação profissional. Havendo a regulamentação teremos universidades no Brasil em Medicina Chinesa e Acupuntura assim como o pleno exercício destes profissionais no SUS. Quem serão estes professores universitários que serão os responsáveis para esta classe de profissionais? Qual a formação e qualidades destes? Temo que se as Universidades Públicas montarem estes cursos teremos um grupo de mestres e doutores, pesquisadores, à frente deste processo. Por um lado isto é muito bom, mas correremos o risco de imperar o foco do pensamento clínico e de pesquisa do modelo ocidental que não atende a demanda e necessidades dos conhecimentos fundamentais da Medicina Tradicional Chinesa. Por outro lado se estas universidades forem montadas com o dinheiro de particulares os professores tenderão a seguir o conhecimento da escola que montou o curso. Hoje no Brasil as escolas têm, em sua grande maioria, um conhecimento repartido e pouco aprofundado do conhecimento verdadeiro da MTC. Vários professores com cursos de acupuntura sistêmica, aurículo-acupuntura, acupuntura abdominal, crânio-acupuntura, fitoterapia, tuina, dietoterapia, Qigong e mais diversos outros conhecimentos sem um eixo profundo da Medicina Tradicional Chinesa, pois foi assim que a Medicina Chinesa foi montada no Brasil. Quem tinha aprendido alguma coisa montava uma escola e chamava um grupo de professores, também com pouca/alguma informação e assim as escolas surgiram sem uma raiz adequada de formação e estrutura do paradigma chinês em sua essência. Os melhores livros somente começaram a chegar a partir dos anos 90 deixando mais evidente o pouco que se sabia sobre uma aprofundada MTC. No final dos anos 90 grupos profissionais médicos começaram a tentar ludibriar a sociedade dizendo que na China somente médicos com conhecimentos ocidentais faziam MTC. Absurdo sabendo todos nós que os fundamentos da MTC se desenvolvem a pelo menos 5.000 anos e o entendimento nosológico ocidental a menos de 200 anos. Chega ser ridículo. 
Desformataram completamente a MTC criando uma acupuntura que não existia anteriormente, basicamente para tratar dor, sem diagnóstico de diferenciação de síndromes, mas era (e ainda é) teimosamente oferecida a sociedade como a única acupuntura válida. Chamada de Acupuntura médica. O que temos é acupuntura Chinesa com pequenas variações em Japão, Vietnam, Coréia e ampliação da leitura clássica como a acupuntura bioenergética e outras, e não reducionismos absurdos desqualificando a essência da MTC como acupuntura médica, acupuntura fisioterápica, acupuntura odontológica, etc. Não é o fato de ter uma agulha na mão que faz um profissional acupunturista, mas sim o seu conhecimento profundo dos alicerces clássicos e tradicionais e discernimento clínico. O problema é chamar estas aberrações de Acupuntura. Poderá ser chamada de agulhamento para fins do uso médico ocidental ou algo assim. Mas não teria marketing, então somos obrigados a ouvir estes absurdos desqualificando a verdadeira acupuntura. 
Houve guerra com outros profissionais taxados por aqueles como não-médicos e prevaleceu o bom senso em detrimento à intenção de reserva de mercado atestando o supremo tribunal de justiça no Brasil mantendo o exercício profissional para todos os profissionais formados em escolas adequadas. Mas quando se fala em dinheiro e mercado a “guerra” ainda continua nos bastidores mesmo a UNESCO tendo colocado a Medicina Chinesa/Acupuntura como patrimônio da Humanidade sendo que nenhuma classe profissional pode tomar para si seu exercício. Se todos estivessem pensando no bem estar da população estaríamos todos preocupados na formação profissional de todo praticante da Medicina Chinesa/Acupuntura, pois a formação pregressa não interfere positivamente na adequada formação de um profissional da MTC. Já negativamente é bem provável, pois quanto mais cartesiano, materialista e linear for a formação anterior do profissional mais longe estará este do paradigma médico chinês.

O grande problema é que instalando uma Medicina Chinesa no ambiente público, como atendimento no SUS, estes profissionais serão cobrados para mostrar resultados com a Medicina Chinesa como aqueles preconizados em ambientes chineses registrados pela OMS. Será que os profissionais de MTC têm hoje a formação adequada para atender pacientes acamados, crônicos com diversas co-morbidades em ambiente do SUS independente se este profissional tenha a formação ocidental em medicina, fisioterapia, biomedicina, odontologia e outros? Os cursos atualmente formam, em sua maioria, com conhecimentos superficiais em clinica médica em MTC para ser suficiente o praticante começar a atender em clínicas ou em ambulatórios onde o paciente chega com acometimentos, em geral, sem grande gravidade. Para atender pacientes graves com a Medicina Chinesa é fundamental obter uma formação profunda em semiologia, propedêutica, diferenciação de síndromes e clínica médica em Medicina Chinesa. Caso contrário a MTC será utilizada apenas como método secundário/complementar como é utilizada hoje em muitos hospitais. Muito deste uso apenas como complementar vem da deficiência do profissional em dados de formação que citei anteriormente.

Então devemos nos ater ao mesmo tempo em elaborar planos para a implantação da MTC/Acupuntura no SUS e regulamentação da profissão, mas, ao mesmo tempo, buscar mecanismos para uma formação acadêmica adequada pois todos nós precisamos melhorar para chegar a um nível de excelência para oferecer em ambiente do SUS uma medicina chinesa capaz de atender a uma demanda com qualidade permitindo ser uma terapêutica fundamental e não apenas alternativa ou complementar, mas sim, INTEGRATIVA.  

Uma sugestão para fortalecer o conhecimento da profunda clínica médica em Medicina Chinesa é fazer parcerias institucionais sérias entre Universidades brasileiras e Chinesas fazendo intercâmbios de alunos e professores fiscalizados pelo governo brasileiro e chinês no nível da graduação e pós-graduação. Desenvolver projetos lato sensu de especialização e stricto sensu de mestrados e doutorados entre as universidades chinesas e brasileiras com certificação válida em ambos os ambientes acadêmicos dos países em questão. Facilitaria ter alunos e professores que pudessem se comunicar em mandarim e português sendo esta qualificação oferecida  em ambas as universidades chinesas e brasileiras. As parcerias que são feitas hoje não têm fiscalização dos governos e são com fins comercias, em sua maioria, sem grande objetividade acadêmica e sem validação dos certificados nem na China nem no Brasil para o meio acadêmico. Todos voltam contentes por ter conhecido a China (sua muralha, templos, cidade proibida, etc) e terem visto algo da MTC in locu, mas com conhecimentos pífios na bagagem em termos de MTC de verdade.

Percebo que é comum em todos os eventos que tenho participado nos últimos anos, principalmente congressos de Medicina Tradicional Chinesa (MTC) na própria China, a participação de várias instituições internacionais de MTC, a Organização Mundial de Saúde (OMS) e as maiores universidades chinesas de MTC como as de Beijing, Shanghai, Yunnan, Guangdong, Chengdu, Nanjing, dentre outras. Todos discutindo as diretrizes da expansão da MTC pelo mundo. Há uma necessidade intensa e real que esta terapêutica siga seu rumo de crescimento para apoiar a saúde em todo o mundo. É necessário agir eficazmente no tratamento das patologias crônicas para a saúde impactando também a economia no mundo moderno. Apesar de conceitos antigos a MTC é a medicina mais atual em termos de atender as necessidades fundamentais de uma nova sociedade que clama e traz os conceitos de uma saúde mais abrangente bio-psico-social, onde o homem transforma o meio e é transformado por este também expandindo este conceito para a saúde e bem estar, como sua meta de atuação para o século XXI e vindouros. A MTC traz em seu conteúdo uma experiência riquíssima de pelo menos 5.000 anos de história quando vem se desenvolvendo a cada século a passos largos, mesmo com as invasões estrangeiras na China no século XIX. É ao mesmo tempo uma Medicina antiga e uma Medicina jovem onde seus fundamentos podem ser apoiados pela modernidade da física quântica e vibracional e por pesquisas mostrando sua eficácia terapêutica e conceitual, ao mesmo tempo apoiadas pela filosofia milenar chinesa para além dos preconceitos de um novo paradigma e a pressão do lobby político e econômico da Medicina Ocidental e indústria farmacêutica. Uma das grandes discussões sempre feita em congressos mundiais de MTC é sobre a formação profissional adequada, dentro e fora da China, pois com o desenvolvimento desordenado em cada país, na China se reordenou pós 1950, muito do conhecimento genuíno, a Medicina Chinesa Clássica, ficou para traz ou por não conseguir ler em chinês nem ter mestres para interpretá-los adequadamente, por interesse comercial de cursos de formação e entidades de classes de saúde, muitos livros e citações foram deturpadas e reconstruídas sob a luz do paradigma ocidental, pois era mais fácil para todos. 
Criaram-se termos absurdos como “acupuntura médica”, tentativa separatista, que é uma dissidência dos caminhos da verdadeira acupuntura com diagnóstico nosológico da Medicina ocidental fato que nunca aconteceu na China com a Medicina Chinesa Clássica. A Medicina Chinesa necessita de diagnóstico da Medicina Chinesa; A Medicina Ocidental necessita de diagnóstico nosológico da Medicina Ocidental. Sempre será assim para que estas medicinas floresçam em sua plenitude devem respeitar seus paradigmas. É muita pretensão e desrespeito praticamente ignorar o diagnóstico médico chinês, que funciona há 5.000 anos sem grande tecnologia, para acreditar que se deve ter diagnóstico ocidental nas práticas chinesas; absurdo. Além de inconsistente é uma prática utilizada para gerar espaço profissional para um grupo de profissionais de saúde, conselho de Medicina ocidental, com seu mercado comprometido por insuficiência de resultados nas patologias crônicas, que são grande foco de tratamento pela OMS; Simplesmente querem uma reserva de mercado. É importante compreender que a Medicina convencional ocidental tem um papel fundamental na saúde e, pelo seu conceitual, sempre será insubstituível em um evento agudo e outros quadros específicos, mas a MTC tem um grande espaço no tratamento global e em eventos crônicos e há grande demanda e necessidade no mundo atual para esta medicina. Para o real crescimento da MTC precisamos reaprender e re-ensinar profundamente os fundamentos médicos chineses, aprender a filosofia e o idioma se possível, chegar mais perto de sua cultura e entender seus paradigmas. Apesar de termos que promover, sem dúvidas, alguma modernização cuidadosa para adequar à cultura mundial atual. Este tópico discutiremos em outra oportunidade.

Como a maioria dos profissionais ocidentais não têm acesso aos textos chineses traduzi aqui a seguir alguns trechos do Dr. Shang Li da Universidade de Shanghai, grande mestre, do texto “Guia de Cultura da Medicina Tradicional Chinesa” 中医文化导读 (Zhongyi Wenhua Daodu) para fortalecer nossos conhecimentos.
 A Medicina Tradicional Chinesa (MTC) e a Medicina Ocidental (MO) são duas diferentes modalidades terapêuticas com diferentes bagagens históricas e culturais.
A MTC se origina da sociedade antiga chinesa tão bem quanto o pensamento acadêmico antigo chinês, e, portanto recai na categoria de ciência oriental e tradicional.  A Medicina Ocidental, contudo, se origina da ciência ocidental moderna e contemporânea e associa de forma contundente com epistemologia e ciência assim como progresso tecnológico desde o Renascimento Europeu dos séculos XV e XVI. A grande diferença entre a filosofia chinesa e ocidental está na visão de mundo e na metodologia de pesquisa onde se apoiam a MTC e a MO. Por isso a visão extremamente diferente entre a saúde e a doença, especificamente da vida, diagnóstico clínico, plano de tratamento, fundamentação teórica para a educação acadêmica e como conduzir as pesquisas de sua eficácia.
Isto tudo traz uma significante perspectiva para a saúde humana e desenvolvimento médico para que a humanidade possa se beneficiar das diferentes características e como consequência absorver as vantagens e limitações de cada medicina na construção da medicina do século XXI.
A MTC tem como base a Cultura Tradicional Chinesa (CTC) e explica todos os processos fisiológicos e patológicos sob a visão da antiga filosofia utilizando-se do Taoísmo, Confucionismo, Yi Jing (Livro das Mutações) e mais tarde o pensamento Budista gerando as teorias do Yuan Qi (Energia Primordial), Yin-Yang e cinco movimentos (A retração do metal, a descendência da água, a expansão da madeira, a ascendência do fogo e a nutrição da terra).
Como explica o professor Shang Li da Universidade de Medicina Tradicional Chinesa de Shanghai: Lidera a visão antiga chinesa a teoria do Yuan Qi (元气), Qi primordial, que mostra que a origem do cosmos é uma entidade simples e inseparável (Caos) como a citação “O primeiro aspecto era o Caos, o Yuan Qi começa a separar o Céu e a Terra” (de “Lun Heng – Tan Tian” um capítulo de um livro escrito por Wang Chong da dinastia Han oriental), e “O Yuan Qi constitui o Caos” (de Wen Xuan – Qi Fa” outro livro antigo). Hoje em dia as teorias incluem os quatro aspectos seguintes: Primeiro de tudo, Qi é a origem de tudo no Universo, como a citação “Yuan Qi é a raiz de tudo na Terra e o Qi existia antes da separação do Céu e da Terra” (de “Chun Qiu Fan Lu – Yu Ying” um capítulo de um livro escrito por Dong Zhongshu da dinastia Han ocidental). Em segundo, Qi é um tipo de substância em constante movimento, o qual é explicado como “Quando o Qi inicia, coisas começam a transformar e produzir; quando o Qi move, coisas começam a crescer, quando o Qi se expande, coisas começam a reproduzir, e quando o Qi acaba, coisas começam a morrer” (de Su Wen – Wu Chang Zheng Da Lun” um capítulo do Huangdi Nei Jing). Em terceiro, Qi é a essência que conecta o fenômeno, explicado por “O Qi conecta todas as atividades na Terra” (de “Zhu Zi Yu Lei” terceiro volume de um livro escrito por Zhu Xi da dinastia Song). E finalmente, Qi é um meio de indução mútua, explicada em “Coisas com a mesma natureza podem conectar ou induzir uma as outras” (de Lun Heng – Ou Hui” um capítulo de um livro escrito por Wang Chong da dinastia Han oriental).
O professor Shang Li continua sua aula explicando que o Yin e Yang (阴阳) é um conceito da filosofia antiga chinesa. Originalmente Yin e Yang eram usados para se referir a coisas em frente ou contra o sol, mais especificamente, aquilo que estava a favor do sol é considerado Yang e o que estava contra o sol, na sombra, é Yin. Gradualmente Yin e Yang foram usados para representar dois aspectos de oposição, consumo, suporte e interdependência existente em todas as coisas do Universo. Segundo Lao Zi (que escreveu o livro Dao De Jing e é considerado fundador do Taoísmo) disse que “tudo no universo abraça o Yang e carrega o Yin nas costas” mostrando os aspectos opostos: costas e frente. Acredita-se que a teoria Yin Yang é o fundamento inerente para as mudanças no mundo, quando o Yin Yang se interagem fazem o mundo produzir, desenvolver e mudar. O Yi Zhuang (livro que explica o Yi Jing) afirma que “a reação entre um Yin e um Yang é chamado de Dao”. O “Su Wen – Yin Yang Yin Xiang Da Lun (o quinto capítulo do Su Wen)” também afirma que “Yin Yang são a origem da mudança e transformação de tudo na Terra”.
As teorias do Yuan Qi e Yin Yang estão bem conectadas na antiga filosofia chinesa. O Zhou Yi – Xi Ci Shang (um capítulo do Yi Jing), afirma que “o Tai Ji (太极) é a origem do mundo e mais tarde produziu duas partes segregadas”. Aqui “Tai Ji” se refere ao Caos sem forma, e “duas partes segregadas” se referem ao Yin Yang.
A unificação do Yuan Qi, Energia primordial, contém as polarizações Yin Yang enquanto as mudanças Yin Yang são o poder inerente do movimento do Yuan Qi.
A teoria dos cinco movimentos/elementos, Wu Xing (五行) faz parte também da filosofia antiga. O “Shang Shu – Hong Fan” (um famoso livro da dinastia Zhou) afirma que “os cinco elementos incluem a Água, Fogo, Madeira, Metal e Terra. A característica da Água é umedecer e fluir para baixo, do Fogo é aquecer e flamejar para cima, da Madeira é crescer, se expandir e florescer, o Metal se caracteriza por limpar e mudar, e a Terra dar nascimento a todas as coisas pelo plantio e colheita. A umidade e fluxo em descendência gera o sabor salgado; o aquecer e flamejar para cima gera o sabor amargo; o crescimento, expansão e florescimento gera o sabor azedo; a transformação fácil gera sabor picante e o plantar e colher gera o doce”. Acredita-se que tudo que é manifesto na Terra pode ser expresso dentro dos cinco aspectos da filosofia do Wu Xing, as quais são todas conectadas através da ordem inerente e as relações de inter-promoção e inter-ação. As teoria do Yin Yang e dos cinco elementos são as maneiras pelas quais os chineses compreendem os fenômenos naturais.
Com o guiar deste pensamento filosófico o povo antigo chinês acredita que a Terra é um mundo holístico e em constante transformação. Que tudo se interage e está conectado, e que todas as coisas na Terra tem sua origem antes da separação do Caos pelo Yuan Qi, espontaneamente produz e transforma pelo seguimento da lei inerente da mudança Yi ()      -teoria oriunda do livro Yi Jing- proveniente do Yin Yang e cinco movimentos/elementos. Em suma, a totalidade orgânica é inseparável.

Por tudo isso as características fundamentais da Medicina Tradicional Chinesa (MTC) passa pela “diferenciação de síndromes” ao invés de tratar doenças como a Medicina Ocidental, assim como está solidificada pela percepção da “integração Mente-Corpo”. Estes fundamentos podem ser explicados segundo o professor Shang li da seguinte forma:
1)      É considerado sob o ponto de vista da MTC que os Seres Humanos não são somente “humanos” em significado biológico, mas também um todo orgânico envolvendo “integração céu-homem”, “integração mente-corpo” e “integração natureza-homem”. Enquanto a unidade entre o homem e o Universo é tida como muito importante, o Céu e a Terra são grandes sistemas e o homem é um pequeno sistema. O Micro e o Macro são regidos pelas mesmas leis e são inseparáveis. O nascimento, envelhecimento, adoecimento e morte do homem corresponde à lei da mudança Yi do Céu e da Terra, a saúde ou a doença humana estão associadas com as mudanças Yi da natureza e da sociedade. Atualmente “homem”, pequeno sistema entre o Céu e a Terra também é uma unidade. Céu-Homem-Terra. Cada parte do corpo mantém sua própria função estável através de ação mútua. Qualquer parte ou área só faz sentido quando integrada e entendida como um corpo todo. Desta forma áreas locais são compreendidas como um todo e podem expressar a condição de todo o organismo. Os órgão e vísceras, conhecidos como sistema Zang-fu (脏腑) na MTC, são conectados uns aos outros em estrutura. Por um lado eles são interdependentes e interagem entre si. Por outro lado estes também podem ser afetados patologicamente pelo outro. O homem é considerado como “a função (yang), a estrutura (yin)” e o estado metabólico de um todo orgânico não podem ser representados somente por um órgão, uma célula ou um gen. Cada indivíduo é uma síntese que consiste de seu único Qi e Sangue Xue, Zang-fu, meridianos, líquidos orgânicos, ossos, músculos e pele, e uma parte nunca é o todo apesar de poder refletir o todo.

2)      O mundo e todas as coisas na Terra estão em constante movimento e mudança durante todo tempo. “A única coisa que não muda é que tudo muda”. Isto impacta a vida humana. Isto foi explanado em “Ge Zhi Yu Lun – Xiang Huo Lun” (um capítulo em fogo ministerial sobre a propriedade das coisas escrito Zhu Danxi). O termo médico chinês “síndrome da doença”, Mei ni er shi zheng (美尼尔氏症), refere-se a um completo estado funcional mórbido resultante de fatores desequilibrantes internos e externos os quais podem se transformar com a progressão e mudança na condição da doença. Leva-se sempre em conta a capacidade antipatogênica do indivíduo ou Qi correto, chamada Zheng Qi (正气) Subsequentemente o termo “diferenciação de síndromes” é útil para clarear sobre o estado de saúde e doença proveniente de uma visão dinâmica.
3)      É enfatizada no modelo “integração corpo-mente” que o homem é considerado como uma unidade com coordenação perfeita fisiológica-psicológica, e que a natureza social pode ter grande impacto na mente e no corpo do homem. Consequentemente a MTC propõe um relacionamento mútuo entre mudanças emocionais e fisiologia/patologia. Por exemplo, de acordo com a MTC a emoção do Fígado Gan é a raiva e esta pode lesionar a energia Qi do Fígado. Baseado neste ponto de vista, a terapia de regulação mente-coração Xin, foi criada para prevenir e tratar doenças, o qual pode ser mostrado no “Ling Shu – Shi Chuan” no capítulo 29 do Ling Shu como “é humano temer a morte e ter esperança na sobrevivência, então se o profissional de saúde explica as condições da doença para o paciente de uma boa maneira... mesmo os pacientes mais complicados podem cooperar”.

Há uma grande diferença de entendimento do corpo humano entre a ciência médica chinesa e ocidental. De acordo com o sistema de ciência ocidental, o mundo é uma síntese de substancialidade no qual se enfatiza mais entidades tangíveis e substâncias. Portanto a ciência ocidental mantém que a natureza e a lei de todas as coisas que existem são apenas a relação entre entidades, e a lei é escondida por trás do fenômeno errático. O Espaço é considerado o padrão na Medicina Ocidental. Segundo o professor Dr. Shang Li da Universidade de Medicina Tradicional Chinesa de Shanghai.              

De acordo ao sistema de ciência oriental o mundo é o produto da transformação do Qi, a qual dá mais importância à entidade natural e original, manifestando como processo entre o fenômeno e a natureza e enfatizando em conexão da função e informação. O Tempo é considerado o padrão na MTC. 
MTC e MO desenvolveram ao longo do tempo suas respectivas rotas e formaram diferentes ângulos de observação; MTC presta mais atenção para a relação funcional e MO presta mais atenção a estrutura da substância.; MTC foca na “diferenciação sindrômica” e a MO foca no “tratamento de doenças”. Lembrando que “Síndrome” neste conceito chinês é muito mais que um conjunto de sinais e sintomas mas, principalmente, é a percepção da capacidade inerente do indivíduo de se manter saudável, O Qi correto, Zheng Qi.

Segundo ainda o professor Shang Li há grandes vantagens e desenvolvimento potencial da Medicina Tradicional Chinesa. A despeito do status atual da Medicina Ocidental no mundo, a Medicina Tradicional Chinesa com seus 5.000 anos de história, ainda tem desenvolvimento potencial na teoria e é gradualmente reconhecida pelo mundo por causa de seus diagnósticos e tratamento únicos tão bem quanto sua grande eficácia terapêutica. Forte estatística mostrou que há agora mais de 50.000 instituições de Medicina Chinesa (a grande maioria acupuntura) espalhadas em mais de 130 países do mundo, mais que 100.000 acupunturistas ligados a estas instituições (o que se supõe número muito maior de acupunturistas não ligados a estas instituições) e mais de 20.000 praticantes da Medicina Chinesa fora da China dados de 2007. Em adição a isto a cada ano cresce cerca de 30% de cidadãos nestes países que usam a Medicina Tradicional Chinesa e quase 80% do povo chinês recebe terapias da MTC continuadamente. Focada no “modelo biomédico” a Medicina Ocidental está diante de crescente limitação em seu desenvolvimento. A Medicina Tradicional Chinesa focada no “modelo médico de atividade vital integral”, observação dinâmica e integração corpo-mente, está mais adaptada para o futuro modelo médico “bio-psico-social” e multidisciplinar cada vez mais forte na construção da Medicina do século XXI pela Organização Mundial de Saúde (OMS). 
Começando pelo entendimento das funções gerais do corpo a MTC provê o desenvolvimento de uma “nova” fonte com tal conhecimento original envolvendo fenômenos da vida como Meridianos e Qigong e estados específicos fisiológicos e patológicos. Tão logo o tratamento seja prescrito a MTC trata o homem holístico, enfatiza a diferença individual e o momento funcional das mudanças e definido o diagnóstico personalizado e sistema terapêutico com considerações das diferenças individuais, tempo e espaço para evoluir a habilidade de auto-defesa e coordenar e restabelecer a capacidade inerente de manter-se saudável, a força anti-patogênica, o Qi correto. Com o princípio de tratamento “tratando a raiz”, a causa do adoecimento e não a doença, a MTC é muito mais apropriada para tratar patologias crônicas tais como doenças imunes, doenças cardiovasculares e desordens metabólicas, além de ser capaz de regular a “sub-saúde” como a síndrome da fadiga crônica. As terapias internas e externas da MTC incluem a Farmaco-fitoterapia chinesa, Acupuntura, Tuina, Qigong e Terapia dietética. Além de grandes efeitos terapêuticos estas terapias podem também evitar a toxidade ou efeitos colaterais das drogas químicas. O sinólogo alemão Porkert disse uma vez que “a MTC funciona maravilhosamente bem no diagnóstico e tratamento de patologias crônicas, além de poder fazer um acurado e específico julgamento em desordens funcionais individualizadas e curá-las. A Medicina Ocidental não pode fazer isto nem de longe”.
Este modelo terapêutico é o ponto forte da MTC o que a capacita entender situações de uma forma compreensiva e holística levando a tratar algumas doenças intratáveis pela MO com etiologia obscura e obter excelentes resultados.

Precisamos ampliar o horizonte e entender que mais do que nunca precisamos, além da Medicina Convencional ocidental e suas diversas classes de saúde, da Medicina Tradicional Chinesa e suas terapêuticas, e incluir terapêuticas de bases integrativas de grande relevância como a homeopatia, Práticas da Meditação, Práticas energéticas, a Medicina Quântica desde que todas tenham um rigoroso sistema de ensino e educação para a formação de profissionais realmente capazes de desempenhar com efetividade tais terapêuticas.


É tão importante lutarmos para a legitimação destas terapêuticas como profissões reconhecidas quanto formarmos bases sólidas para estruturarmos a adequada educação profissional para a necessidade de construção deste novo modelo de saúde para o mundo atual.